sábado, 30 de maio de 2009

Vida universitária, custos do estudo e exclusão social

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Por Robson Fernando*
para o Acerto de Contas

Feliz é aquela pessoa de baixa renda que, beneficiada ou não por cota social, passa no vestibular de uma universidade pública. Imagina estar tendo uma oportunidade louvável de ascender na vida, intelectual e profissionalmente. Seus sonhos de ser uma pessoa mais influente e próspera graças à graduação e às futuras pós-graduações fervem com as perspectivas de como será a vida na universidade, como serão as batalhas de cada prova e trabalho pelas disciplinas. Quando entra, no entanto, encara exigências financeiras acima do razoável que comprometem seu sonho d e ser um graduado vindo de classe social pobre.

Primeiro, lida com a necessidade de comprar seu material de estudo, tendo que investir considerável quantidade de dinheiro em xerox e/ou livros inteiros, algo que muitas vezes vai além de suas capacidades financeiras. Segundo, o uso frequente de lan-houses para contatos acadêmicos, estudos por arquivos eletrônicos e redação de trabalhos também lhe custa caro ao longo dos anos de ensino superior. E, terceiro, irá encarar no(s) último(s) semestre(s) de seu curso a necessidade de gastar uma quantia muito alta para a impressão e encadernação de múltiplas cópias de uma monografia a demandar considerável espessura de papel.

Tamanha onerosidade financeira torna-se um obstáculo fortíssimo para as pretensões de estudo dos mais pobres e assim dá ao ensino superior brasileiro, mesmo em instituições públicas, um caráter de atividade socialmente excludente. Apenas quem tem uma renda familiar razoável ou acima do razoável terá acesso amplo a um bom estudo numa universidade, ainda que pública e sem mensalidades. Para pessoas pobres e miseráveis, torna-se proibitivamente difícil alcançar a formatura com um histórico acadêmico impecável e estudo complementar excelente.

Desde os primeiros dias de aula, o estudante universitário já tem que começar a despender bastante dinheiro. Seja por fotocópias bibliográficas ou livros inteiros, os custos do estudo nunca são insignificantes.

Alguns cursos de ciências humanas ainda exigem menos investimento, uma vez que requerem majoritariamente trechos de livros para o conteúdo das disciplinas ser estudado – pelo menos até a polícia interditar em nome dos direitos autorais as copiadoras disponíveis –, mas os gastos com xerox, mesmo nestes, nunca são poucos. É comum que alguém tenha que desembolsar 10 reais numa única semana para obtenção de uma parte do material didático. Somando-se cópias atrás de cópias, um semestre de um curso como História ou Ciências Sociais poderá exigir, para dizer o mínimo, em torno de 100 reais, quantia que faz muita diferença para pessoas de renda muito baixa.

A realidade em cursos como Direito, Medicina e Engenharias é ainda pior, uma vez que estes costumam requerer com bastante frequência a compra de livros inteiros, grossos e caros. É frequente ver um aluno investindo entre 100 e 200 reais num único livro, que muitas vezes serve para uma única disciplina específica. Se cursos que exigem conteúdo bibliográfico menos pesado já oneram bastante o bolso do estudante pobre, aqueles que tornam indispensável a aquisição de bibliografia cara fazem-se socialmente proibitivos, incompatíveis com as condições de universitários de condição humilde.

Em teoria, há a solução de a pessoa se “confinar” numa biblioteca – ou nela pedir empréstimos de livros – e nela pôr os estudos em dia. É, contudo, uma alternativa limitada, uma vez que bibliotecas universitárias costumam guardar poucos exemplares, se não apenas um, de um determinado livro e hoje não teriam condições de atender a uma demanda massiva de alunos que precisassem ler determinada obra sob exigência do professor e não pudessem comprar livros inteiros ou em trecho. Estudantes pobres podem sim recorrer à biblioteca, mas não em números significativos, detalhe que agrava a exclusão social universitária.

E não é só com conteúdo de livros que o estudante precisa lidar em sua vida acadêmica. Muitas vezes deve-se recorrer a material online, como artigos e e-books. Sendo o computador pessoal com internet de banda larga ainda uma meta de compra difícil de ser atingida por determinada porcentagem da população brasileira, recorre-se às lan-houses – ou, mais raramente, ao computador de amigos, colegas de turma ou parentes.

A lan-house, ainda mais que as xerox, demanda muita despesa. Alguém que precisar usar um computador 3 horas por dia em todos os dias de uma semana para estudo gastará entre 21 e 52,5 reais (considerando o preço da hora de R$1 a 2,50) em apenas sete dias. É um desembolso enorme para quem vive com renda familiar de menos de mil reais por mês, mesmo que use a lan-house em menos dias por semana. Pior será se o estudante quiser imprimir o conteúdo eletrônico: os custos da impressão em preto-e-branco variam entre 15 centavos (em raros locais) e um real por página.

E ainda não falei de estudos complementares, que visam não o atendimento à exigência das disciplinas, mas o enriquecimento intelectual e profissional do discente. Estes requererão invariavelmente a compra de livros inteiros e a leitura de um bom número de artigos e Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), cuja maioria está disponível somente na internet. Investimentos em dinheiro serão ainda mais altos do que o cumprimento do estudo curricular.

O uso de bibliotecas universitárias ou públicas para estudo complementar é uma alternativa gratuita, embora seja bastante limitada em termos de disponibilidade de tempo livre em comparação à possibilidade de ler livros em casa e possa aumentar os gastos com transporte coletivo.

Sendo assim, um estudante pobre enfrenta sérias complicações financeiras até mesmo para manter os estudos exigidos pelos professores e sua edificação intelectual por leituras adicionais é ainda mais difícil. A vida universitária, mesmo em universidades públicas e bolsas de estudo em instituições privadas de ensino superior, faz-se cara para os padrões das classes sociais mais baixas, além de certamente limitada.

Pode-se pensar na possibilidade de a pessoa trabalhar enquanto estuda para custear os investimentos acadêmicos, mas esta também é uma hipótese marcada por limitações. Grande parte dos cursos não se faz conciliável com a maior parte dos empregos. Muitos não têm disponibilidade à noite e vários são de horário integral (turno duplo). Trabalhos de meio expediente não são fáceis de se encontrar e costumam ser mal remunerados.

E ainda por cima, mesmo quando se consegue uma conciliação de cargas horárias entre trabalho e estudo, o emprego pode se chocar contra a ocasional exigência de estágio obrigatório. Alguns cursos fazem-se menos viáveis para quem trabalha do que outros, frustrando certas ambições, como a de alguém que quer estudar Jornalismo à tarde ou Medicina em turno integral.

O aluno pobre que, apesar de tudo, consegue resistir ao verdadeiro enduro financeiro de conciliar o orçamento restrito com os vários anos de estudos na base do sacrifício, de empréstimos e de favores ainda terá que lidar com mais uma barreira: a conclusão do curso, que exigirá despesas ainda mais pesadas. Me refiro à monografia que vários cursos pedem como TCC.

A impressão de múltiplas cópias do maior e mais pesado trabalho da graduação – podendo ser cinco, seis ou até mais, dependendo da instituição, se forem contados os exemplares da versão pré-defesa a ser entregue à banca examinadora e os da final corrigida a ser entregue ao orientador e à instituição – requererá uma absurda quantidade de folhas a serem impressas – podendo somar (não no máximo) 600 em todas as cópias, incluindo muitas páginas coloridas, a depender da espessura da monografia. Reiterando-se a carestia de se imprimir em lan-houses ou gráficas e adicionando os custos das encadernações, ora em espiral ora em brochura, não é difícil que alguém tenha que investir em torno de 200 reais em todo o processo.

Muitos estudantes conseguem custear a impressão da monografia graças a bolsas de pesquisa, que, entretanto, não são livremente disponíveis para a comunidade universitária – novamente entra a questão de haver limitações. Muitas bolsas requerem um histórico acadêmico livre de reprovações. Considerando que muitos estudantes pobres trabalham e para alguns outros, desempregados, as condições financeiras são tão precárias que comprometem a suficiência do estudo, é esperado que a pobreza ou a falta de tempo aumentem as taxas de reprovação entre essas pessoas e, assim, a bolsa de pesquisa seja algo para poucos.

Essa realidade dispendiosa da vida acadêmica no Brasil reafirma que, mesmo com cotas sociais e bolsas do Prouni, o ensino superior continua socialmente excludente. Mesmo que entrar na universidade tenha se tornado mais provável para pessoas de baixa renda, permanecer nela e concluir o curso pretendido continuam algo passível de muita dificuldade, se não proibitivo. Contudo, essa questão não vem sendo trabalhada nas políticas públicas governamentais.

É francamente necessário que os esforços políticos de inclusão social dirijam o foco também ao problema do custo dos estudos universitários, o qual é alto para os padrões e possibilidades das classes mais pobres.

Várias soluções fazem-se viáveis e necessárias para acabar com todos os mecanismos de exclusão social no ensino superior, incluindo-se: custeio da impressão da monografia de alunos de baixa renda sem bolsa pela própria instituição, o oferecimento de um benefício Bolsa-Livro, linhas de crédito para computadores pessoais de qualidade, diminuição dos custos da internet residencial de banda larga, subsídios para insumos da indústria livreira, construção de mais bibliotecas públicas e expansão das universitárias incluindo aquisição de mais exemplares para cada livro.

Tais iniciativas devem ser incluídas na política pública de universalização da educação, para que não haja mais uma realidade acadêmica financeiramente adversa aos alunos mais humildes.

Robson Fernando é articulista independente e graduando em Ciências Sociais pela UFPE

Fonte: Acerto de contas

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