sábado, 30 de janeiro de 2010

Estamos vendo novamente o efeito Pitta - Se ele não for um bom prefeito....





Kassab: arredação cresce mas não impede cortes

Reproduzo a seguir reportagem publicada hoje pelos jornais O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, de Felipe Grandin, sobre a redução dos investimentos da prefeitura no ano de 2009, enquanto a arrecadação crescia. Os investimentos sofreram uma retração brutal de 18% no momento em que a receita registrava uma elevação de 3,5%. Até mesmo a verba aplicada na prevenção a enchentes  foi reduzida em 13%. Estes números mostram o quanto eram falaciosos os argumentos do prefeito e seus auxiliares que atribuiram os cortes nos investimentos à perda de receita em virtude da crise mundial. 

 

A gestão do prefeito Gilberto Kassab (DEM) arrecadou mais no ano passado, mas investiu menos do que em 2008. Mesmo com a crise econômica mundial, a arrecadação de impostos da capital paulista no ano passado superou em 3,6% a do ano anterior – passou de R$ 22,2 bilhões para R$ 23 bilhões. Ao mesmo tempo, os investimentos foram reduzidos em 18%, o que afetou principalmente novas obras, como a construção de três hospitais (leia abaixo). Já a verba aplicada na prevenção a enchentes caiu 13% . Os valores se referem à administração direta, sem autarquias e fundações.
A administração municipal diz que a receita foi R$ 2,7 bilhões menor que a prevista em orçamento e que o corte foi necessário para manter os gastos obrigatórios, como os relativos a saúde, educação, transporte, dívida, pessoal e investimentos prioritários. Corrigida pelo índice oficial de inflação IPCA, a receita teve uma queda real de 0,6%. Já os investimentos tiveram redução de 15%. Os valores de 2008 corrigidos ficam em R$ 23,19 bi na arrecadação e R$ 2,52 bi em investimentos.
Para o especialista em finanças públicas da Faculdade de Economia e Administração da USP, Adriano Biava, a crise não é justificativa para a redução dos investimentos. “Não se pode responsabilizar a crise, porque a receita cresceu”, afirma. “Isso não impediria, por exemplo, que todos os itens do orçamento aumentassem na mesma proporção.” O crescimento da arrecadação no último ano, diz, ficou muito próximo da inflação, mostrando que a crise não teve impacto relevante. “A crise se refletiria na queda da receita, o que não ocorreu.”
Investimento
Ao todo, a Prefeitura investiu R$ 1,98 bilhão em 2009 – R$ 444 milhões a menos que em 2008. Uma explicação para a redução, segundo o especialista, pode ser o aumento dos gastos com terceirização de serviços e com o pagamento da dívida pública. A contratação de empresas e terceirizados consumiu mais de R$ 7 bilhões da receita, uma alta de 13%. Já o gasto com a amortização da dívida pública cresceu 31% e passou para R$ 446 milhões.
O líder do governo na Câmara Municipal, José Police Neto (PSDB), afirma que o aumento dos gastos foi provocado pelos investimentos feitos em anos anteriores.
“Quando a Prefeitura inaugura um hospital, uma escola, começa a gastar com a manutenção desses equipamentos, o que gera um aumento das despesas de custeio no ano seguinte”, afirma. Ele acrescenta que a ampliação da verba para a terceirização se deve a essas novas instalações, que são geridas por organizações sociais.
Vereadores de oposição afirmam, no entanto, que o orçamento de 2009 foi superdimensionado para acomodar as promessas feitas por Kassab na campanha à reeleição. “Foi uma peça de ficção”, diz o vice-presidente da Comissão de Finanças e Orçamento da Câmara Municipal, Antônio Donato (PT). “O prefeito propôs um orçamento fora da realidade e depois usou a crise como pretexto para remanejar a verba da forma que quis.”
Três hospitais ficam na promessa
Uma das principais promessas de campanha à reeleição do prefeito Gilberto Kassab (DEM), a construção de três hospitais municipais não recebeu um centavo no primeiro ano de seu segundo mandato. Os centros médicos dos bairros Brasilândia, na zona norte, Parelheiros, na zona sul, e Vila Matilde, na zona leste, são exemplos de projetos afetados pelo corte dos investimentos promovido pelo governo municipal em 2009.
O arrocho atingiu principalmente os investimentos em obras e instalações, que sofreram uma redução de 21%. O total aplicado nesse item do orçamento caiu de R$ 1,87 bilhão para R$ 1,48 bilhão.
O corte também afetou outras promessas eleitorais de Kassab, como os repasses de verba ao governo estadual para a construção do Rodoanel e do Metrô.
O anel viário em torno da capital deveria ter sido contemplado com R$ 65 milhões, mas não recebeu nada. Para a expansão da rede metroviária estavam previstos R$ 218 milhões, mas chegaram R$ 50 milhões. A maior parte do dinheiro foi remanejada para cumprir outro compromisso de campanha do prefeito: manter o preço da passagem de ônibus em R$ 2,30. Para isso, a Prefeitura gastou R$ 808 milhões no ano passado com o pagamento de subsídios às empresas de ônibus. Já em 2010, a tarifa subiu para R$ 2,70.
Impostos superam expectativa
Ao contrário do previsto pela Prefeitura, o valor arrecadado com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) superou as expectativas e foi 2,2% maior que o orçamento, alcançando R$ 3,2 bilhões. A retração do mercado imobiliário também não afetou o ganho com o Imposto de Transmissão de Bens Imobiliários (ITBI), que chegou a R$ 683 milhões, 16% acima do esperado.
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) também foi além do orçamento em 7,6%, com R$ 4,5 bilhões. Já o Imposto sobre Serviços (ISS), apesar de não ter atingido a meta, chegou a 99,7% do previsto, com R$ 5,9 bilhões (veja ao lado).
A arrecadação com multas de trânsito ainda bateu recorde: R$ 473,3 milhões, superando em 22% a de 2008.
Melhoria do serviço público depende de investimentos
A verba para investimentos é destinada principalmente a obras, que, em geral, contribuem para ampliar e melhorar os serviços públicos. Seja a instalação de um hospital, a construção de uma ponte ou a compra de novos equipamentos, como carros, trens e imóveis. Nesse item está incluída a maior parte das promessas de campanha feita pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM), como a ampliação da malha metroviária, o aumento das vagas em hospitais e escolas, a construção de parques, entre outros.
Já os gastos correntes são usados na manutenção das atividades do governo e incluem o pagamento de salários, juros da dívida, compra de matérias primas e bens de consumo, serviços de terceiros, entre outros. É o dinheiro do dia a dia.
Ao cortar a verba para investimentos, a Prefeitura reduz o ritmo das obras e, portanto, da melhoria do serviço público


Empenho para ações contra enchentes caiu 13%

A Prefeitura de São Paulo reduziu em 13% o investimento em obras de combate a enchentes no ano passado. A verba empenhada (comprometida para gasto) nas principais obras de drenagem caiu de R$ 330 milhões, em 2008, para R$ 287 milhões, em 2009. Os dados foram extraídos do Sistema de Execução Orçamentária (NovoSeo) pela Liderança do PT na Câmara Municipal.
Apesar de ter aplicado menos dinheiro na prevenção dos efeitos da chuva, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) usou as enchentes como justificativa para congelar R$ 2 bilhões do orçamento da cidade este ano, fixado em R$ 27,9 bilhões. Segundo ele, a verba será necessária para implementar ações como reurbanização de favelas, recuperação de mananciais e coleta do lixo.
Parte da verba congelada, porém, foi exatamente aquela destinada às subprefeituras para intervenções em áreas de risco, um montante de R$ 19,6 milhões. Depois de questionado pelo JT, Kassab negou o corte e afirmou que os recursos foi centralizada nas secretarias de Coordenação das Subprefeituras e de Habitação “para o melhor uso do recurso”.
Também foram represados recursos para novos projetos, inclusive os oriundos de emendas de vereadores e de serviços como vigilância, limpeza de prédios públicos e aquisição de materiais.
Ficaram fora do corte as áreas de saúde, educação e transporte e também a previsão mensal de R$ 10 milhões para a publicidade do governo municipal. No ano passado, o prefeito congelou R$ 5,5 bilhões do Orçamento de R$ 27,5 bilhões da cidade. Na ocasião, o motivo era a crise financeira.
Fonte: blog de olho em São Paulo

CONCEIÇÃO LEMES: SÃO PAULO PRIVATIZOU CONTROLE DAS ÁGUAS


por Conceição Lemes
Sábado, 23 de janeiro. De barco, esta repórter percorreu, das 11 às 15hs, cerca de 7 quilômetros do rio Tietê na região do Pantanal. Primeiro, em companhia do líder comunitário Francisco Amaro Gurgel, coordenador do Movimento em Marcha. Depois, com Pedro Guedes, da Associação dos Moradores da Vila da Paz e do Movimento Unificado dos Moradores da Várzea do Tietê. 
Passamos pelo Jardim Romano, Vila Aimorés, Fazenda Biacica, Cotovelo do Pantanal, Pantanal, vilas São Martins, da Paz, das Flores e Chácara Três Meninas. Não choveu durante o trajeto. Mas a correnteza maior – inabitual nesse trecho – chamou nossa atenção.
“O nível do rio também está bem mais alto”, acrescentou o barqueiro Sérgio Silvério Ferz, que fizera o mesmo percurso 15 dias antes.
Guedes reforçou: “Realmente, o Tietê subiu. Aqui, ele costuma ser ‘manso’ mas hoje [23 de janeiro] não está nem um pouco”.
Mal sabíamos que eram primeiros os alertas de um novo infortúnio. Nas horas seguintes, o Tietê transbordou e o Pantanal inundou muito mais do que em 8 de dezembro de 2009. As águas avançaram sobre pontos até então livres de alagamentos.  Entre eles, a avenida de ligação de São Paulo com Guarulhos pela Vila Any e a rua Gruta das Princesas, percorridos pela repórter no sábado anterior com Ronaldo Delfino, do Movimento de Urbanização da Legalização do Pantanal. 

  “Saí de casa no sábado, às 2 da tarde, estava seco. Voltei às 7, com água no joelho”, conta Maria das Mercedes Cavalcanti, 55 anos, sete filhos, que mora há quatro quadras do CEU do Jardim Romano.  “Liguei para cá às quatro e meia, a minha casa já estava enchendo, ela nunca inundou. A água chegou até a coxa. Hoje, ainda está no joelho.”
 “Ainda está tudo cheio. Nunca vi isso. Um conhecido nosso, o ‘seo’ Antonio, acabou de sair daqui. Perdeu tudo”, lamenta Maria Lúcia Farias, esposa de Ronaldo. “No sábado, a casa dele que não tinha enchido antes ficou com mais de 1 metro de água. ‘Seo’ Antonio e a família saíram com a roupa do corpo”.
 “A parte da rua onde eu moro já estava alagada desde dezembro, mas a minha casa, não. Porém, desde sábado, estamos com água em todos os cômodos. Ficamos ilhados. Tive de chamar um guincho para tirar o carro, se não estragaria”, indigna-se Gurgel. “Como é o que o governo do Estado de São Paulo deixa a comunidade nessa situação e não se manifesta?”
 “Desde a madrugada de domingo, colegas ligam desesperados, com água na altura do peito”, relata Ronaldo. “Estamos sem saber o que fazer nem o que começou a acontecer a partir de sábado. Pela nossa experiência não são as chuvas. Ouvi dizer que abriram as comportas das barragens do Alto Tietê, mas ninguém nos alertou nada antes.”

 “O Pantanal inundou, de novo, porque as barragens do sistema do Alto Tietê estão excessivamente cheias para o verão, e a Sabesp abriu as comportas, contribuindo para alagar ainda mais região”, denuncia o economista e ambientalista José Arraes. “É uma irresponsabilidade a Sabesp e o Daee terem deixado a cheias chegar, para começarem a descarregar água dos seus reservatórios. É um crime. É um erro tremendo de gerenciamento”
Há 13 anos as enchentes em Mogi das Cruzes, município da Grande São Paulo, levaram o ambientalista a se interessar pela questão de recursos hídricos. Ajudou a solucionar o problema do seu bairro e não parou mais. Atualmente, é membro do Comitê da Bacia do Alto Tietê, do Subcomitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê e do conselho gestor da APA (Area de Proteção Ambiental) da várzea do Tietê.

Viomundo – O senhor já fez essa denúncia aos órgãos públicos?
José Arraes – Claro. Denunciamos à Sabesp e ao Daee [Departamento de Águas e Energia Elétrica], órgãos do governo do Estado de São Paulo, que as barragens do Alto Tietê estavam excessivamente cheias para o verão. Fizemos isso no final de 2009.

Viomundo – E aí?
José Arraes – Nenhuma providência foi tomada. Aliás, em 2009, duas coisas muito estranhas ocorreram no gerenciamento das barragens do Alto Tietê. No início do ano, a Sabesp e o Daee praticamente secaram o Tietê e encheram os reservatórios. Em Mogi das Cruzes, o rio ficou vários meses com apenas 20 centímetros de lâmina de água. No final do ano, as barragens estavam muito lotadas para a época. Há 13 anos acompanhamos esse processo e sabemos que o Daee e a Sabesp reservam cotas nas barragens, prevendo as cheias do verão.  Em 2009, não fizeram isso. Resultado: chegamos a dezembro com a quase a totalidade das principais barragens cheias. Um absurdo!

Viomundo – Por que a Sabesp e o Daee mantiveram as barragens lotadas?
José Arraes – Eu desconfio de um destes esquemas. Primeiro: para não faltar água para a Região Metropolitana de São Paulo. Assim, pode ter havido determinação governamental para estarem na cota máxima. Segundo: a Sabesp e o Daee já estarem aumentando o volume das represas, visando aumentar a produção da Estação de Tratamento de Água Taiaçupeba de 10 metros cúbicos por segundo para 15 metros cúbicos por segundo (10m³/s para 15m³/s) . Terceira: a privatização do Sistema Produtor de Água do Alto Tietê – chamado SPAT. Hoje é um consórcio de empresas privadas que regula, administra, mantém e fornece as águas que estão represadas nessas barragens.

Viomundo – Por favor, explique melhor isso.
José Arraes – Existe um consórcio de empresas – entre elas, uma empreiteira conhecida na nossa região, a Queiroz Galvão –, que hoje gerencia as águas reservadas nas represas em uma parceria público-privada. Toda a água represada em todas as barragens do Sistema do Alto Tietê são gerenciadas por esse consórcio. Quanto mais cheias as represas, mais interessantes para o consórcio. Interesse comercial, nada mais do que isso.
Viomundo – Quer dizer que as águas das barragens do Alto Tietê estão privatizadas?

José Arraes – Sim. As empresas do consórcio fazem a conservação das barragens e a intermediação com a necessidade da Sabesp que a trata e remete para a população. Logo, para o consórcio de empresas, quanto mais cheias estiverem as barragens, mais água fornece para a Sabesp. Mais ganhos financeiros, portanto.
Viomundo – Qual das três hipóteses é a mais provável?

José Arraes – Talvez a combinação das três. Cabe ao Ministério Público investigar. O fato é que as barragens do Alto Tietê estão excessivamente cheias e as comportas estão sendo abertas, contribuindo com as inundações em toda a calha do rio até a região do Pantanal.
Viomundo – Quantas barragens há no Sistema Alto Tietê?

José Arraes – Temos cinco: Paraitinga, Biritiba-Mirim, Ponte Nova, Jundiaí e Taiaçubepa, onde existe também uma estação de tratamento de água da Sabesp. As barragens são como caixas d’água para a cidade de São Paulo.
Viomundo – Qual a capacidade de cada uma?

José Arraes  – A de Paraitinga [município de Salesópolis], tem capacidade para 37 milhões de metros cúbicos, e está com  92% da sua capacidade.  A de Biritiba-Mirim [no município do mesmo nome], 35 milhões de metros cúbicos, está com 94%. A de Jundiaí [fica em Mogi das Cruzes], 84 milhões de metros cúbicos e 97% de cheia. A de Ponte Nova, 300 milhões de metros cúbicos; está com 73%. A de Taiaçubepa [entre Mogi das Cruzes e Suzano] tem capacidade para 82 milhões de metros cúbicos, está com 73% de cheia.
Viomundo – Quais estão soltando água?

José Arraes – Todas. No sábado, 23 de janeiro, a de Paraitinga estava vazando 5m³/ A de Jundiaí, 2m³/s. Biritiba-Mirim, 1m³/s. Taiaçupeba, 5m³/s. A de Ponte Nova, 0,5m³/s.
Viomundo – Mas as barragens normalmente liberam água o tempo todo?

José Arraes – Liberam, mas em pouquíssimas quantidades. É para o rio não perder as suas características. Em condições normais, liberam entre 0,5m³/s a 2 ou 3m³/s, no máximo.
Viomundo – Então quanto está sendo vazado?

José Arraes – Se você somar as vazões de Paraitinga, Taiaçupeba, Jundiaí e Biritiba-Mirim, são 12m³/s. É bem maior que os 10m³/s que a Sabesp está tratando em Taiaçupeba. É uma enormidade de água. Para você ter uma dimensão do volume, você abastece toda a cidade de Mogi, que tem 400 mil habitantes, com 3m³/s.
E o mais complicado é que as barragens de Paraitinga, Biriba-Mirim, Jundiaí e Taiaçupeba vazam para rios afluentes diretos do rio Tietê.  É por isso que o Pantanal está cheio. As águas vazadas já chegaram até aí. Se você libera pouca água no rio, não causa transtorno nenhum. Agora, o transtorno é liberar 5, 6, 12m³/s no rio. É água demais! Acrescida das quantidades das chuvas deste verão, piora a situação.
Viomundo – É preciso liberar as águas das barragens?

José Arraes – Agora, tem de abrir as comportas, não tem outro jeito, pois as barragens estão cheias e vão transbordar. O grande erro foi deixar as barragens acumularem tanta água antes das chuvas do verão. No momento, estão tendo de soltar muita água.  
Viomundo – Ou seja, estão abrindo as comportas na época errada. Quando isso deveria ter começado?

José Arraes – O normal seria o vazamento controlado ter começado por volta de agosto, setembro, para que, agora, no verão, as barragens estivessem mais vazias para receber as águas das chuvas e não transbordar.
Viomundo – Não fizeram isso?

José Arraes – Não, não fizeram. Ou se fizeram, não foi corretamente. O fato é que as nossas barragens não poderiam chegar à época de chuvas com 90% da sua capacidade preenchida. De forma que o Pantanal provavelmente ainda vai ter muita enchente, porque as chuvas vão continuar. A Sabesp e o Daee não vão parar de vazar agora, pois há risco de essas barragens extravasarem e inundar toda a região de Mogi das Cruzes, Paraisópolis, Ferraz de Vasconcellos, Suzano, Biriti-Mirim e até São Paulo.
Viomundo – É verdade que essas barragens podem se romper se as comportas não são abertas?

José Arraes – Romper, eu não acredito. Mas poderiam extravasar, ou seja, passar por cima da barragem. Se isso acontecer, você pode perder o controle da vazão. Diferentemente de quando você abre as comportas e limita a vazão do quanto é necessário.  Por isso, a nossa preocupação é também com o extravasamento dessas barragens. Elas podem encher tanto que a água começará a passar por cima dos vertedouros. Isso é perigoso. Se  vier a acontecer, as águas chegariam fatalmente a São Paulo.
Viomundo – A Sabesp alega que as barragens foram mantidas cheias, por causa do risco de estiagem em 2009. Há também quem diga que não se poderia ter bola de cristal para prever as chuvas dos últimos dias.

José Arraes – Balela. A Sabesp e principalmente o Daee têm o registro das chuvas dos últimos 20, 30 anos. Todos sabem que são cíclicas. De cinco em cinco, de dez  em dez anos, há um período de chuvas mais fortes. Então a Sabesp e o Daee deveriam ter se  prevenido há muito mais tempo. Eu acho que não tem perdão para o que está acontecendo. É falta de gerenciamento mesmo.
Viomundo – Com que volume as barragens deveriam ter entrado na estação chuvosa?

José Arraes – Do jeito que está chovendo este ano, elas deveriam estar bem baixas.  Questão de prevenção.  Há cálculos matemáticos para se estabelecer esses níveis, mas eu não saberia fazê-los e te dizer quanto.
Viomundo – Será que pensaram que São Pedro fosse dar uma mãozinha para São Paulo?

José Arraes – Como poderiam aguardar a ajuda de São Pedro, se a Sabesp e o Daee sabem que chove bastante de períodos em períodos.  Foi uma grande irresponsabilidade.
Viomundo – A Sabesp e o Daee só se preocuparam com o abastecimento de água e se descuidaram das enchentes?

José Arraes – Aparentemente é o que aconteceu. Lembre-se de que a água tratada gera lucro.
Viomundo – A região do Pantanal encheu, de novo, de repente, a partir do sábado no final da tarde. Para isso ter ocorrido no sábado, quando as comportas começaram a ser abertas?

José Arraes – O dia exato eu não saberia dizer, mas foi mais ou menos há 20 dias. Foi mais ou menos quando o governador José Serra noticiou que havia autorizado a abertura das comportas.
Viomundo – Demora tanto tempo para chegar aqui embaixo, na capital, na região do Pantanal?

José Arraes – Demora. Não é imediatamente. O Tietê é um rio de planície, não tem velocidade e correnteza. Tem uma vazão muito pequena.  Quando são abertas as comportas, as águas demoram mais ou menos 10 a 15 dias para chegar a São Paulo, dependendo ainda do assoreamento do rio. O fato é que as comportas já estão abertas há vários dias.
Viomundo – Conversei com várias lideranças comunitárias sobre isso. Nenhuma foi comunicada da abertura das comportas. Segundo Ronaldo Delfino, do Pantanal, talvez a Defesa Civil também não tenha sido alertada, pois muitos moradores acionaram-na e não foram socorridos. Ligavam, ligavam, ligavam, só dava ocupado, “como se o telefone estivesse fora do gancho”.

José Arraes – Infelizmente, em geral, as populações não são comunicadas com antecedência. São alertadas pela televisão, mas só DEPOIS. É um erro muito grave, que pode custar vidas.
Viomundo – Pelo noticiário, as chuvas dos últimos dias são apontadas pelas autoridades como as responsáveis pela nova e maior inundação do Pantanal. O que o senhor acha?

José Arraes – As chuvas podem até ter contribuído, mas a causa mais importante dessa nova inundação é que as barragens do sistema do Alto Tietê estão vazando água. E como Tietê está assoreado, o rio extravasa, inundando a várzea.
Viomundo  -- Reportagem publicada pelo Viomundo denunciou que o Tietê da barragem da Penha até o Cebolão pode ter ficado sem ser desassoreado em 2006, 2007 e 2008 (até outubro) e contribuído para as enchentes históricas de 8 de setembro e 8 de dezembro? Como está o rio acima da barragem da Penha?

José Arraes – De Biritiba-Mirim até barragem da Penha está um horror, todo assoreado. Há muitos anos não são retirados os resíduos acumulados no fundo do Tietê.  São mais ou menos uns 70 quilômetros de extensão. É um Deus nos acuda tentar convencer os órgãos do governo do Estado de que é preciso desassorear o rio.  
Viomundo – O que fazer agora?

José Arraes – O que o Daee e a Sabesp estão fazendo é fruto de uma irresponsabilidade total. Nós temos denunciado isso, mas a nossa voz ainda é muito incipiente. Até as autoridades do governo do Estado levarem em consideração o que dissemos mais inundações ocorrerão, mais pessoas perderão pertences, algumas até a própria vida. O único caminho que nós temos é denunciar ao Ministério Público do Estado. Se for o caso, até ao Ministério Público Federal. É, insisto, o nosso único caminho.

LULA: GOVERNANTES TRATAVAM 2/3 DO POVO COMO "PESO, ESTORVO, CARGA"


O discurso que o presidente Lula não leu em Davos (mas que foi lido pelo chanceler Celso Amorim), conforme reprodução do Vermelho:

"Minhas senhoras e meus senhores,

Em primeiro lugar, agradeço o prêmio "Estadista Global" que vocês estão me concedendo. Nos últimos meses, tenho recebido alguns dos prêmios e títulos mais importantes da minha vida. Com toda sinceridade, sei que não é exatamente a mim que estão premiando - mas ao Brasil e ao esforço do povo brasileiro. Isso me deixa ainda mais feliz e honrado. Recebo este prêmio, portanto, em nome do Brasil e do povo do meu país. Este prêmio nos alegra, mas, especialmente, nos alerta para a grande responsabilidade que temos.

Ele aumenta minha responsabilidade como governante, e a responsabilidade do meu país como ator cada vez mais ativo e presente no cenário mundial. Tenho visto, em várias publicações internacionais, que o Brasil está na moda. Permitam-me dizer que se trata de um termo simpático, porém inapropriado.

O modismo é coisa fugaz, passageira. E o Brasil quer e será ator permanente no cenário do novo mundo. O Brasil, porém, não quer ser um destaque novo em um mundo velho. A voz brasileira quer proclamar, em alto e bom som, que é possível construir um mundo novo. O Brasil quer ajudar a construir este novo mundo, que todos nós sabemos, não apenas é possível, mas dramaticamente necessário, como ficou claro, na recente crise financeira internacional – mesmo para os que não gostam de mudanças.

Meus senhores e minhas senhoras,

O olhar do mundo hoje, para o Brasil, é muito diferente daquele, de sete anos atrás, quando estive pela primeira vez em Davos. Naquela época, sentíamos que o mundo nos olhava mais com dúvida do que esperança. O mundo temia pelo futuro do Brasil, porque não sabia o rumo exato que nosso país tomaria sob a liderança de um operário, sem diploma universitário, nascido politicamente no seio da esquerda sindical. Meu olhar para o mundo, na época, era o contrário do que o mundo tinha para o Brasil. Eu acreditava, que assim como o Brasil estava mudando, o mundo também pudesse mudar.

No meu discurso de 2003, eu disse, aqui em Davos, que o Brasil iria trabalhar para reduzir as disparidades econômicas e sociais, aprofundar a democracia política, garantir as liberdades públicas e promover, ativamente, os direitos humanos. Iria, ao mesmo tempo, lutar para acabar sua dependência das instituições internacionais de crédito e buscar uma inserção mais ativa e soberana na comunidade das nações. Frisei, entre outras coisas, a necessidade de construção de uma nova ordem econômica internacional, mais justa e democrática. E comentei que a construção desta nova ordem não seria apenas um ato de generosidade, mas, principalmente, uma atitude de inteligência política.

Ponderei ainda que a paz não era só um objetivo moral, mas um imperativo de racionalidade. E que não bastava apenas proclamar os valores do humanismo. Era necessário fazer com que eles prevalecessem, verdadeiramente, nas relações entre os países e os povos. Sete anos depois, eu posso olhar nos olhos de cada um de vocês – e, mais que isso, nos olhos do meu povo – e dizer que o Brasil, mesmo com todas as dificuldades, fez a sua parte. Fez o que prometeu. Neste período, 31 milhões de brasileiros entraram na classe média e 20 milhões saíram do estágio de pobreza absoluta. Pagamos toda nossa dívida externa e hoje, em lugar de sermos devedores, somos credores do FMI.

Nossas reservas internacionais pularam de 38 bilhões para cerca de 240 bilhões de dólares. Temos fronteiras com 10 países e não nos envolvemos em um só conflito com nossos vizinhos. Diminuímos, consideravelmente, as agressões ao meio ambiente. Temos e estamos consolidando uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, e estamos caminhando para nos tornar a quinta economia mundial. Posso dizer, com humildade e realismo, que ainda precisamos avançar muito. Mas ninguém pode negar que o Brasil melhorou.

O fato é que Brasil não apenas venceu o desafio de crescer economicamente e incluir socialmente, como provou, aos céticos, que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza. Historicamente, quase todos governantes brasileiros governaram apenas para um terço da população. Para eles, o resto era peso, estorvo, carga. Falavam em arrumar a casa. Mas como é possível arrumar um país deixando dois terços de sua população fora dos benefícios do progresso e da civilização?

Alguma casa fica de pé, se o pai e a mãe relegam ao abandono os filhos mais fracos, e concentram toda atenção nos filhos mais fortes e mais bem aquinhoados pela sorte? É claro que não. Uma casa assim será uma casa frágil, dividida pelo ressentimento e pela insegurança, onde os irmãos se vêem como inimigos e não como membros da mesma família. Nós concluímos o contrário: que só havia sentido em governar, se fosse governar para todos. E mostramos que aquilo que, tradicionalmente, era considerado estorvo, era, na verdade, força, reserva, energia para crescer.

Incorporar os mais fracos e os mais necessitados à economia e às políticas públicas não era apenas algo moralmente correto. Era, também, politicamente indispensável e economicamente acertado. Porque só arrumam a casa, o pai e a mãe que olham para todos, não deixam que os mais fortes esbulhem os mais fracos, nem aceitam que os mais fracos conformem-se com a submissão e com a injustiça. Uma casa só é forte quando é de todos – e nela todos encontram abrigo, oportunidades e esperanças.

Por isso, apostamos na ampliação do mercado interno e no aproveitamento de todas as nossas potencialidades. Hoje, há mais Brasil para mais brasileiros. Com isso, fortalecemos a economia, ampliamos a qualidade de vida do nosso povo, reforçamos a democracia, aumentamos nossa auto-estima e amplificamos nossa voz no mundo.

Minhas senhoras e meus senhores,

O que aconteceu com o mundo nos últimos sete anos? Podemos dizer que o mundo, igual ao Brasil, também melhorou? Não faço esta pergunta com soberba. Nem para provocar comparações vantajosas em favor do Brasil. Faço esta pergunta com humildade, como cidadão do mundo, que tem sua parcela de responsabilidade no que sucedeu – e no que possa vir a suceder com a humanidade e com o nosso planeta. Pergunto: podemos dizer que, nos últimos sete anos, o mundo caminhou no rumo da diminuição das desigualdades, das guerras, dos conflitos, das tragédias e da pobreza?

Podemos dizer que caminhou, mais vigorosamente, em direção a um modelo de respeito ao ser humano e ao meio ambiente? Podemos dizer que interrompeu a marcha da insensatez, que tantas vezes parece nos encaminhar para o abismo social, para o abismo ambiental, para o abismo político e para o abismo moral? Posso imaginar a resposta sincera que sai do coração de cada um de vocês, porque sinto a mesma perplexidade e a mesma frustração com o mundo em que vivemos. E nós todos, sem exceção, temos uma parcela de responsabilidade nisso tudo.

Nos últimos anos, continuamos sacudidos por guerras absurdas. Continuamos destruindo o meio-ambiente. Continuamos assistindo, com compaixão hipócrita, a miséria e a morte assumirem proporções dantescas na África. Continuamos vendo, passivamente, aumentar os campos de refugiados pelo mundo afora. E vimos, com susto e medo, mas sem que a lição tenha sido corretamente aprendida, para onde a especulação financeira pode nos levar.

Sim, porque continuam muitos dos terríveis efeitos da crise financeira internacional, e não vemos nenhum sinal, mais concreto, de que esta crise tenha servido para que repensássemos a ordem econômica mundial, seus métodos, sua pobre ética e seus processos anacrônicos.

Pergunto: quantas crises serão necessárias para mudarmos de atitude? Quantas hecatombes financeiras teremos condições de suportar até que decidamos fazer o óbvio e o mais correto? Quantos graus de aquecimento global, quanto degelo, quanto desmatamento e desequilíbrios ecológicos serão necessários para que tomemos a firme decisão de salvar o planeta?

Meus senhores e minhas senhoras,

Vendo os efeitos pavorosos da tragédia do Haiti, também pergunto: quantos Haitis serão necessários para que deixemos de buscar remédios tardios e soluções improvisadas, ao calor do remorso? Todos nós sabemos que a tragédia do Haiti foi causada por dois tipos de terremotos: o que sacudiu Porto Príncipe, no início deste mês, com a força de 30 bombas atômicas, e o outro, lento e silencioso, que vem corroendo suas entranhas há alguns séculos.

Para este outro terremoto, o mundo fechou os olhos e os ouvidos. Como continua de olhos e ouvidos fechados para o terremoto silencioso que destrói comunidades inteiras na África, na Ásia, na Europa Oriental e nos países mais pobres das Américas. Será necessário que o terremoto social traga seu epicentro para as grandes metrópoles européias e norte-americanas para que possamos tomar soluções mais definitivas?

Um antigo presidente brasileiro dizia, do alto de sua aristocrática arrogância, que a questão social era uma questão de polícia. Será que não é isso que, de forma sutil e sofisticada, muitos países ricos dizem até hoje, quando perseguem, reprimem e discriminam os imigrantes, quando insistem num jogo em que tantos perdem e só poucos ganham? Por que não fazermos um jogo em que todos possam ganhar, mesmo que em quantidades diversas, mas que ninguém perca no essencial?

O que existe de impossível nisso? Por que não caminharmos nessa direção, de forma consciente e deliberada e não empurrados por crises, por guerras e por tragédias? Será que a humanidade só pode aprender pelo caminho do sofrimento e do rugir de forças descontroladas? Outro mundo e outro caminho são possíveis. Basta que queiramos. E precisamos fazer isso enquanto é tempo.

Meus senhores e minhas senhoras,

Gostaria de repetir que a melhor política de desenvolvimento é o combate à pobreza. Esta também é uma das melhores receitas para a paz. E aprendemos, no ano passado, que é também um poderoso escudo contra crise. Esta lição que o Brasil aprendeu, vale para qualquer parte do mundo, rica ou pobre. Isso significa ampliar oportunidades, aumentar a produtividade, ampliar mercado e fortalecer a economia. Isso significa mudar as mentalidades e as relações. Isso significa criar fábricas de emprego e de cidadania.

Só fomos bem sucedidos nessas tarefas porque recuperamos o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e não nos deixamos aprisionar em armadilhas teóricas – ou políticas – equivocadas sobre o verdadeiro papel do estado. Nos últimos sete anos, o Brasil criou quase 12 milhões de empregos formais. Em 2009, quando a maioria dos países viu diminuir os postos de trabalhos, tivemos um saldo positivo de cerca de um milhão de novos empregos.

O Brasil foi um dos últimos países a entrar na crise e um dos primeiros a sair. Por que? Porque tínhamos reorganizado a economia com fundamentos sólidos, com base no crescimento, na estabilidade, na produtividade, num sistema financeiro saudável, no acesso ao crédito e na inclusão social. E quando os efeitos da crise começaram a nos alcançar, reforçamos, sem titubear, os fundamentos do nosso modelo e demos ênfase à ampliação do crédito, à redução de impostos e ao estímulo do consumo.

Na crise ficou provado, mais uma vez, que são os pequenos que estão construindo a economia de gigante do Brasil. Este talvez seja o principal motivo do sucesso do Brasil: acreditar e apoiar o povo, os mais fracos e os pequenos. Na verdade, não estamos inventando a roda. Foi com esta força motriz que Roosevelt recuperou a economia americana depois da grande crise de 1929. E foi com ela que o Brasil venceu preventivamente a última crise internacional.

Mas, nos últimos sete anos, nunca agimos de forma improvisada. A gente sabia para onde queria caminhar. Organizamos a economia sem bravatas e sem sustos, mas com um foco muito claro: crescer com estabilidade e com inclusão. Implantamos o maior programa de transferência de renda do mundo, o Bolsa Família, que hoje beneficia mais de 12 milhões de famílias. E lançamos, ao mesmo tempo, o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, maior conjunto de obras simultâneas nas áreas de infra-estrutura e logística da história do país, no qual já foram investidos 213 bilhões de dólares e que alcançará, no final do ano de 2010, um montante de 343 bilhões.

Volto ao ponto central: estivemos sempre atentos às politicas macro-econômicas, mas jamais nos limitamos às grandes linhas. Tivemos a obsessão de destravar a máquina da economia, sempre olhando para os mais necessitados, aumentando o poder de compra e o acesso ao crédito da maioria dos brasileiros. Criamos, por exemplo, grandes programas de infra-estrutura social voltados exclusivamente para as camadas mais pobres. É o caso do programa Luz para Todos, que levou energia elétrica, no campo, para 12 milhões de pessoas e se mostrou um grande propulsor de bem estar e um forte ativador da economia.

Por exemplo: para levar energia elétrica a 2 milhões e 200 mil residências rurais, utilizamos 906 mil quilômetros de cabo, o suficiente para dar 21 voltas em torno do planeta Terra. Em contrapartida, estas famílias que passaram a ter energia elétrica em suas casas, compraram 1,5 milhão de televisores, 1,4 milhão de geladeiras e quantidades enormes de outros equipamentos.

As diversas linhas de microcrédito que criamos, seja para a produção, seja para o consumo, tiveram igualmente grande efeito multiplicador. E ensinaram aos capitalistas brasileiros que não existe capitalismo sem crédito. Para que vocês tenham uma idéia, apenas com a modalidade de "crédito consignado", que tem como garantia o contracheque dos trabalhadores e aposentados, chegamos a fazer girar na economia mais 100 bilhões de reais por mês. As pessoas tomam empréstimos de 50 dólares, 80 dólares para comprar roupas, material escolar, etc, e isto ajuda ativar profundamente a economia.

Minhas senhoras e meus senhores,

Os desafios enfrentados, agora, pelo mundo são muito maiores do que os enfrentados pelo Brasil. Com mudanças de prioridades e rearranjos de modelos, o governo brasileiro está conseguindo impor um novo ritmo de desenvolvimento ao nosso país. O mundo, porém, necessita de mudanças mais profundas e mais complexas. E elas ficarão ainda mais difíceis quanto mais tempo deixarmos passar e quanto mais oportunidades jogarmos fora. O encontro do clima, em Copenhague, é um exemplo disso. Ali a humanidade perdeu uma grande oportunidade de avançar, com rapidez, em defesa do meio-ambiente.

Por isso cobramos que cheguemos com o espírito desarmado, no próximo encontro, no México, e que encontremos saídas concretas para o grave problema do aquecimento global. A crise financeira também mostrou que é preciso uma mudança profunda na ordem econômica, que privilegie a produção e não a especulação. Um modelo, como todos sabem, onde o sistema financeiro esteja a serviço do setor produtivo e onde haja regulações claras para evitar riscos absurdos e excessivos.

Mas tudo isso são sintomas de uma crise mais profunda, e da necessidade de o mundo encontrar um novo caminho, livre dos velhos modelos e das velhas ideologias. É hora de re-inventarmos o mundo e suas instituições. Por que ficarmos atrelados a modelos gestados em tempos e realidades tão diversas das que vivemos? O mundo tem que recuperar sua capacidade de criar e de sonhar. Não podemos retardar soluções que apontam para uma melhor governança mundial, onde governos e nações trabalhem em favor de toda a humanidade.

Precisamos de um novo papel para os governos. E digo que, paradoxalmente, este novo papel é o mais antigo deles: é a recuperação do papel de governar. Nós fomos eleitos para governar e temos que governar. Mas temos que governar com criatividade e justiça. E fazer isso já, antes que seja tarde. Não sou apocalíptico, nem estou anunciando o fim do mundo. Estou lançando um brado de otimismo. E dizendo que, mais que nunca, temos nossos destinos em nossas mãos. E toda vez que mãos humanas misturam sonho, criatividade, amor, coragem e justiça elas conseguem realizar a tarefa divina de construir um novo mundo e uma nova humanidade.

Muito obrigado."

sábado, 23 de janeiro de 2010

Chegou a edição de janeiro da Revista do Brasil








Uma imagem vale por mil palavras…













Poucas imagens poderiam ser tão irônicas sobre o sofrimento de São Paulo com as enchentes do que essa aí de cima, onde um funcionário contratado pela Prefeitura mostra o peixe morto que encontrou ao trabalhar na limpeza do túnel Tribunal de Justiça, um acesso à marginal Pinheiros. O túnel ficou um dia e meio submerso em até 2,5 metros de água, porque as bombas de drenagem não funcionaram. Em dezembro, o colapso de bombas também foi apontado como uma das causas da enchente.

A esta altura, já não se pode dizer que temporais são um “imprevisto”. Os sistemas de drenagem deveria estar todos checados e operantes. Dizer que o principal falhou e o de emergência não funcionou, justamente, porque ficou alagado é igual a dizer que os botes salva-vidas em um navio não funcionaram porque afundaram.
O colunista Fernando Barros e Silva, na Folha de hoje, escreve um parágrafo cru, que merece ser transcrito:
“Havia cobras, ratos e vidas estragadas aos montes sob a água suja quando, depois de dias, Gilberto Kassab deu o ar da graça no Jardim Pantanal. O prefeito agora, mesmo vaiado, pede que a população “fique tranquila”, o que parece menos uma demonstração de serenidade do que de desconexão com a realidade. Enquanto isso, Serra avisa a rapaziada pelo twitter que este é um “ano anômalo”. De fato, um ano surreal. Já encontramos até peixe morto em túnel alagado. Quem sabe ainda vão achar tucano afogado.”

QUEM PERDE É A DEMOCRACIA








Por Venicio A. de Lima

 22.01.2010



Nos últimos meses, ainda mais do que nas últimas décadas, temos assistido a uma crescente intolerância dos principais grupos de mídia – Estadão, Folha, Globo e Abril – e das associações por eles controladas – ANJ, ANER e ABERT – em relação ao debate sobre as comunicações no Brasil.

Um dos princípios básicos da democracia é exatamente que qualquer tema pode e deve ser discutido pela cidadania. É assim, dizem os liberais, que se forma a opinião pública esclarecida, responsável, em última instância, pela escolha periódica e legítima dos dirigentes políticos do país.

Na democracia praticada pela grande mídia brasileira, no entanto, as comunicações devem ser permanentemente excluídas desse debate. Qualquer pré-projeto, projeto, estudo, carta de intenções que se encontre em alguma gaveta de um ministério que inclua ou insinue o debate sobre a mídia será, automática e irreversivelmente, rotulado de “ameaça autoritária” e/ou “ataque à liberdade de expressão”.

A rotina é sempre a mesma: um jornalista encontra um desses pré-projetos, projetos, estudos e/ou carta de intenções; o jornalão dá manchete de primeira página alertando para o mais novo ataque do governo à liberdade de expressão e/ou à liberdade de imprensa; os outros jornalões (revistas e emissoras de rádio e televisão) repercutem a matéria entrevistando as mesmas fontes de sempre – pessoas e/ou entidades. Em seguida, todos publicam editoriais e/ou artigos de “analistas” sobre “as ameaças” autoritárias. Está armado o cenário.

Constituição não é parâmetro?

A quem interessa a permanente interdição da mídia como tema da agenda pública de debates? O que realmente querem e esperam os grupos empresariais que controlam a grande mídia no nosso país?

As normas adotadas unanimemente em democracias consolidadas do planeta e a Constituição Federal não servem mais de parâmetro para que se “permita” ou “admita” o debate. Até mesmo propostas de regulamentação de dispositivos Constitucionais têm sido entendidas, sem mais, como significando um “ardil” e/ou uma “armadilha” do governo para instalar um regime autoritário no país e, portanto, são automaticamente desqualificadas.

Ou não foi exatamente isso que ocorreu em relação às propostas da 1ª. Confecom – boicotada pela grande mídia; às diretrizes do III PNDH –ignorado ao longo de todo seu processo de construção; e, mais recentemente, ao documento-base da 2ª Conferência Nacional de Cultura que será realizada em março?

Despreza-se inteiramente a necessidade de leis federais, vale dizer, de um marco regulatório, que regulem a atividade de mídia, inequivocamente expressa na Constituição. Está escrito:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

(…)

§ 3º – Compete à lei federal:

I – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

E a democracia?
Na verdade, a grande mídia tem se colocado acima das leis, da Constituição e das decisões do Judiciário, apesar de se apresentar como defensora suprema das liberdades.

Ao mesmo tempo, se recusa a discutir ou a negociar, boicota conferências nacionais, distorce e omite informações, sataniza movimentos sociais, partidos, grupos e pessoas que não compartilham de seus interesses, projetos e posições. Dessa forma, estimula a intolerância, a radicalização política e o perigoso estreitamento do debate público.

Como explicar, então, a atitude cada vez mais intolerante da grande mídia? Onde encontrar hipóteses e/ou explicações para um comportamento que, tudo indica, é deliberadamente articulado?

Acuar o governo e impedir que ele tome qualquer iniciativa no setor? Intimidar os movimentos sociais? Garantir a manutenção de interesses ameaçados? Estratégia de combate para o ano eleitoral?

Seja qual for a explicação, a principal derrotada é a democracia, exatamente o valor que a grande mídia simula defender.

(*) Venicio A. de Lima é Pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília – NEMP – UNB. Artigo publicado originalmente na Agência Carta Maior.