Adriano: louco e viciado por criticar o modelo de sucesso da mídia?
Foto: Reuters
Adriano, pela etimologia significa: “O que possui pele morena”. Pela história, associamos tal nome ao imperador que governou Roma entre 117 e 138. No Brasil, hoje, Adriano é um jogador de futebol que gerou espanto.
Nos últimos dias um assunto extravasou do noticiário esportivo para a primeira página dos jornais e a chamada de abertura dos telejornais. Adriano, centroavante brasileiro de 27 anos, atleta com contrato milionário com a Internazionale de Milão, após três dias sumido, foi localizado na favela carioca de Vila Cruzeiro.
Quatro dias depois do sumiço, convocou uma coletiva à imprensa e afirmou que não encontrava mais motivação no futebol e que iria interromper suas atividades futebolísticas. Na entrevista, falando com calma e lucidez visíveis, declarou que fora negociado com o futebol europeu aos 19 anos de idade, que a fama e o dinheiro vieram muito rápido, causando um choque, que se sentia só no meio do futebol e dos famosos e que se sente mais feliz na favela onde nasceu e foi criado.
Sexta-feira santa! Uma procissão veio a público recriminá-lo, diagnosticá-lo como doente e recomendar seu tratamento: “o prefeito de joelhos, o bispo de olhos vermelhos, e o banqueiro com um milhão”, diria Chico. Zagalo – visivelmente gagá – disse que Adriano precisava de tratamento, opinião endossada, com o bom humor de sempre, por Murici Ramalho. Parreira começou bem, falando da solidão em que pode se encontrar um jogador nessas condições, para emendar de forma catastrófica dizendo que por isso o sujeito caminhava para a bebida, as drogas e os falsos amigos. Pelé, com a sapiência que lhe é peculiar vaticinou: “isso depõe contra o país”, e viva Romário, que já dizia: “Pelé calado é um poeta”! Uma alma lúcida parece ter iluminado o treinador da Inter, José Mourinho, que afirmou: “é perfeito se você perde o jogador e reencontra o homem”.
Por que as declarações de Adriano incomodaram tanto? Sigo algumas pistas.
Vivemos numa época em que às classes dominantes interessa vender a ilusão de que há saída – individual – para a condição proletária em nosso país (miséria, vida na favela, precarização do trabalho e desemprego estrutural). Uma saída materializada no empreendedorismo, no estímulo à (re)qualificação profissional dos “pobres”, através das ONGs e dos poucos braços de políticas públicas focalizadas, que despertam a vocação para a música ou os esportes (carnaval, funk, rap e futebol ou basquetebol, tanto faz), e exemplificada pelo sucesso de alguns poucos cantores de pagode e jogadores de futebol. Quando um “ídolo” desfaz, com lucidez, o mito, é preciso patologizá-lo: está doente, depressivo, alcoólatra, viciado, etc.
Num momento em que a favela é oficialmente associada ao crime e seus moradores divididos, pelo discurso oficial, entre traficantes e coniventes/candidatos com o/ao tráfico, um exemplo de “sucesso” como Adriano afirmar de público que prefere a Vila Cruzeiro à Milão é extremamente perigoso. Trata-se de uma clara defesa da sociabilidade comunitária construída pela classe trabalhadora na favela, em contraposição ao simulacro de vida burguesa ao qual meia dúzia de pobres “afortunados” (pelo talento ou pela sorte) teve acesso quando elevados à categoria de “ídolos”. E desmascarar fantasias é algo extremamente perigoso. Clínica nele!
Os paparazzi já se cansaram de nos mostrar que Adriano é chegado a uma cerveja e já tomou alguns porres. Como eu e como muitos(as) de vocês que estão lendo este texto. O interessante é perceber que, para explicar sua opção pelo abandono do futebol, de Milão, e da fama, busquem justificativa nas drogas (não no álcool, droga legal, mas nas ilegais) e na sua suposta associação com traficantes. Aliás, estranho é que não questionem porque ele, Kaká, Ronaldinho, e tantos outros, tenham saído daqui tão magrinhos e hoje apresentem um físico tão “bombado”. Drogas? O problema são as vendidas na favela.
Sou flamenguista, única declaração de fé que faço sem maior vacilação. Assisti ao despontar de Adriano, como jogador de futebol, das arquibancadas do Maracanã. Xinguei aqueles ladrões travestidos de “dirigentes” que, de seus postos na Gávea, venderam aquela “promessa” entre tantas outras, como mercadoria que são, para o futebol europeu.
E é como torcedor e como homem (no sentido genérico de um ser social que busca se encontrar com sua humanidade) que me sinto feliz ao ouvir a entrevista de Adriano, que não se conformou com a fama, o sucesso, a riqueza, e busca, sabe-se lá onde – talvez em Vila Cruzeiro – a felicidade. Sejamos todos como Adriano, o lúcido!
(*) Marcelo Badaró Mattos é professor de História.
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Fonte: Fazendo Media
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