quinta-feira, 30 de abril de 2009

Paulo Freire além de gênio era vidente

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MANIPULAÇÃO
 
Outra característica da teoria da ação antidialógica é a mani­pulação das massas oprimidas. Como a anterior, a manipulação éinstrumento da conquista, em torno de que todas as dimensões da teoria da ação antidialógica vão girando.

Através da manipulação, as elites dominadoras vão tentando conformar as massas populares a seus objetivos. E, quanto mais imaturas, politicamente, estejam elas (rurais ou urbanas), tanto mais facilmente se deixam manipular pelas elites dominadoras que não podem querer que se esgote seu poder.

A manipulação se faz por toda a série de mitos a que nos refe­rimos. Entre eles, mais este: o modelo que a burguesia se faz de si mesma às massas com possibilidade de sua ascensão. Para isto, porém, é preciso que as massas aceitem sua palavra.

Muitas vezes esta manipulação, dentro de certas condições históricas especiais, se verifica através de pactos entre as classes dominantes e as massas dominadas. Pactos que poderiam dar a impressão, numa apreciação ingênua, de um diálogo entre elas.

Na verdade, estes pactos não são diálogo porque, na profun­didade de seu objetivo, estd inscrito o interesse inequívoco da elite dominadora. Os pactos, em ifltima análise, sio meios de que se servem os dominadores para realizar suas finalidades.

O apoio das massas populares à chamada “burguesia nacional para a defesa do duvidoso capital nacional foi um destes pactos. de que sempre resulta, cedo ou tarde, o esmagamento das massas.
E os pactos somente se dão quando estas, mesmo ingénuas, emergem no processo histórico e, com sua emersão, ameaçam as elites dominantes.

Basta a sua presença no processo, não mais como puras espec­tadoras, mas çom os primeiros sinais de sua agressividade, para que as elites dominadoras, assustadas com essa presença incômoda, dupliquem as táticas de manejo.

A manipulação se impõe nestas fases como instrumento funda­mental para a manutenção da dominação.

Antes da emersão das massas, não há propriamente manipu­lação. mas o esmagamento total dos dominados. Na sua imersão quase absoluta, não se faz necessária a manipulação.

Esta, na teoria antidialógica da ação, é uma resposta que o opressor tem de dar às novas condições concretas do processo histórico.

A manipulação aparece como uma necessidade imperiosa das elites dominadoras, com o fim de, através dela, conseguir um tipo inautêntico de “organização”, com que evite o seu contrário, que éa verdadeira organização das massas populares emersas e emer­gindo.

Estas, inquietas ao emergir, têm duas possibilidades: ou são manipuladas pelas elites para manter a dominação ou se organizam verdadeiramente para sua libertação. Ë óbvio, então, que a verda­deira organização não possa ser estimulada pelos dominadores. Isto é tarefa da liderança revolucionária.

Acontece, porém, que grandes frações destas massas popula­res, já agora constituindo um proletariado urbano, sobretudo nos centros mais industrializados do país. ainda que revelando uma ou outra inquietação ameaçadora, carentes, contudo, de uma consciên­cia revolucionária, se vêem a si mesmas como privilegiadas.

A manipulação, com toda a sua série de engodos e promessas, encontra aí, quase sempre, um bom terreno para vingar.

O antídoto a esta manipulação está na organlzaçao critica-mente consciente, cujo ponto de partida, por isto mesmo, não está em depositar nelas o conteúdo revolucionário, mas na probtemati­zação de sua posição no processo. Na problematizaçãü da realidade nacional e da própria manipulação.

Bem razão tem Weffort  quando diz: “Toda política de esquerda se apóia nas massas populares e depende de sua consciên­cia. Se vier a confundi-la, perderá as raízes, pairará no ar à espera da queda inevitável, ainda quando possa ter, como no caso brasi­leiro, a ilusão de fazer a revolução pelo simples giro à volta do poder” e, esquecendo-se dos seus encontros com as massas para o esforço de organização, perdem-se num “diálogo” impossível com as elites dominadoras. Daí que também terminem manipuladas por estas elites de que resulta cair, não raramente, num jogo pura­mente de cúpula, que chamam de realismo.

A manipulação, na teoria da ação antidialógica, tal como a conquista a que serve, tem de anestesiar as massas populares para que não pensem.

Se as massas associam à sua emersão, à sua presença no processo, sobre sua realidade, então sua ameaça se concretiza na revolução.

Chame-se a este pensar certo de “consciência revolucionária” ou de “consciência de classe”, é indispensável à revolução, que não se faz sem ele.

As elites dominadoras sabem tão bem disto que, em certos níveis seus, até instintivamente, usam todos os meios, mesmo a violência física, para proibir que as massas pensem.

Têm uma profunda intuição da força criticizante do diálogo. Enquanto que, para alguns representantes da liderança revolucio­nária, o diálogo com as massas lhes dá a impressão de ser um quefazer “burguês e reacionário”, para os burgueses. o diálogo entre as massas e a liderança revolucionária é uma real ameaça, que há de ser evitada.

Insistindo as elites dominadoras na manipulação, vao ino­culando nos individuos o apetite burguês do êxito pessoal.

Esta manipulação se faz ora diretamente por estas elites, ora indiretamente, através dos lideres populistas. Estes líderes, como salienta Weffort, medeiam as relações entre as elites oligárquicas e as massas populares.

Daí que o populismo se constitua, como estilo de ação polí­tica. exatamente quando se instala o processo de emersão das massas em que elas passam a reivindicar sua participação, mesmo que ingenuamente.

O líder populista, que emerge neste processo, é também um ser ambíguo. Precisamente porque fica entre as massas e as oli­garquias dominantes, ele é como se fosse um ser anfíbio. Vive na “terra” e na “água”. Seu estar entre oligarquias dominadoras e massas lhe deixa marcas das duas.

Enquanto populista, porém, na medida em que simplesmente manipula em lugar de lutar pela verdadeira organização popular, este tipo de líder em pouco ou quase nada serve à revolução.

Somente quando o líder populista supera o seu caráter ambí­guo e a natureza dual de sua ação e opta decididamente pelas massas, deixando assim de ser populista, renuncia à manipulação e se entrega ao trabalho revolucionário de organização. Neste mo­mento, em lugar de mediador entre massas e elites, é contradição destas, o que leva as elites a arregimentar-se para freá-lo tão rapidamente quanto possam.

Ë interessante observar a dramaticidade com que Vargas falou às massas obreiras, num primeiro de maio de sua última etapa de governo, conclamando-as a unir-se.

“‘Quero dizer-vos, todavia (afirmou Vargas no célebre discur­so), que a obra gigantesca de renovação, que o meu governo está começando a empreender, não pode ser levada a bom termo sem o apoio dos trabalhadores e a sua cooperação cotidiana e decidida.’ Após referir-se aos primeiros noventa dias de seu governo, ao que chamava “de um balanço das dificuldades e dos obstáculos que, daqui e dali, se estão levaúdo contra a ação governamental”, dizia em linguagem diretissima ao povo o quanto lhe calavam “na alma o desamparo, a miséria, a carestia de vida, os salários baixos. - - os desesperos dos desvalidos da fortuna e as reivindicações do povo que vive na esperança de melhores dias”.
 
Em seguida, seu apelo se vai fazendo mais dramático e obje­tivo: “Venho dizer que, neste momento, o governo ainda está desar­mado de leis e de elementos concretos de ação imediata para a defesa da economia do povo. Ë preciso, pois, que o povo se orga­nize, não só para defender seus próprios interesses, mas também para dar ao governo o ponto de apoio indispensável à realização dos seus propósitOs”. E prossegue: “Preciso de vossa união, preciso de que vos organizeis solidariamente em sindicatos; preciso que formeis um bloco Iorte e coeso ao lado do governo para que este possa dispor de toda a força de que necessita para resolver os vossos próprios problemas. Preciso de vossa união para que possa lutar contra os sabotadores, para que não fique prisioneiro dos interesses dos especuladores e dos gananciosos em prejuízo dos interesses do povo”. E, com a mesma ênfase: “Chegou, por isto mesmo, a hora do governo apelar pata os trabalhadores e dizer-lhes: uni-vos todos nos vossos sindtcatos, como forças livres e organizadas. Na hora presente nenhum governo poderá subsistir ou dispor de força suficiente para as suas realizações se não contar com o apoio das organizações operárias”.
 
Ao apelar veementemente às massas para que se organizassem. para que se unissem na reivindicação de seus direitos e ao dizer-lhes, com a autoridade de chefe de Estado, dos obstáculos, dos freios, das dificuldades inúmeras para realizar um governo com elas, foi indo, daí em diante, o seu governo, aos trancos e barrancos até o desfecho trágico de agosto de 1954.
 
Se Vargas não tivesse revelado, na sua última etapa de gover­no, uma inclinação tão ostensiva à organização das massas popula­res, conseqüentemente ligada a uma série de medidas que tomou no sentido da defesa dos interesses nacionais, possivelmente as elites reacionárias não tivessem chegado ao extremo a que chegaram.

Isto ocorre com qualquer líder populista ao aproximar-se, ainda que discretamente, das massas populares. não mais como exclusivo mediador das oligarquias, se estas disp8em de força para freá-lo.

Enquanto a ação do líder se mantém no domínio das forças paternalistas e sua extensão assistencialista, pode haver divergências acidentais entre ele e grupos oligárquicos feridos em seus interesses, dificilmente, porém, diferenças profundas.

É que estas formas assistencialistas, como instrumento da manipulação, servem à conquista. Funcionam como anestésico. Dis­traem as massas populares quanto às causas verdadeiras de seus problemas, bem como quanto à solução concreta destes problemas. Fracionam as massas populares em grupos de indivíduos com a esperança de receber mais.

Há, contudo, em toda esta assistencialização manipuladora, um momento de positividade.

È que os grupos assistidos vão sempre querendo indefinida­mente mais e os individuos não assistidos, vendo o exemplo dos que o são, passam a inquietar-se por serem assistidos também.

E, como não podem as elites dominadoras assistencializar a todos, terminam por aumentar a inquietação das massas.

A liderança revolucionária deveria aproveitar a contradição da manipulação, problematizando-a às massas populares, com o objetivo de sua organização.
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Trecho do livro de Paulo Freire - Pedagogia do Oprimido

Opinião PIG 2010: "Fica aqui uma homenagem a este ilustre cavalheiro, que com muito esforço conseguiu deixar um pouco de sabedoria para um povo tão sedento de cultura".

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