quinta-feira, 16 de abril de 2009

Eduardo Guimarães - Um país em crise

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Chego de viagem na quinta-feira à noite, na véspera da Sexta-Feira Santa. Desembarco no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo.

Estou agoniado. Quero pegar logo minha mala na esteira e voar pelo desembarque.

Consigo passar célere pela burocracia.

Louco para fumar, acendo e aspiro profundamente o bastonete duas, três vezes seguidas no espaço de uns cinqüenta metros entre a porta automática do saguão de desembarque e a loja do Airport Service (serviço de ônibus “executivos” que fazem alguns trajetos do aeroporto até as partes centrais da capital) na intenção de me desfazer dele ao chegar à porta da loja para comprar logo a passagem e me mandar dali.

Surpreendo-me com o que jamais tinha visto naquele aeroporto: uma enorme fila para comprar passagem. O Aeroporto fervilha. O ônibus atrasa 25 minutos. Nunca tinha visto.

Chego a Congonhas. Agora, um táxi. Não há. E uma fila de 13 pessoas me precede.

Pego as malas e vou tentar pegar um táxi na Rubem Berta. A mala mais pesada tem 25 quilos, e a mais leve, 8. Só passa táxi lotado. 15 minutos para achar um, e a fila no aeroporto aumenta enquanto os táxis não chegam.

 

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A sexta-feira amanhece modorrenta, com a cidade paralisada. Tenho que comprar alguma coisa para o almoço, que a mulher não teve como sair porque a filha caçula esteve adoentada – nada grave; o de sempre...

Há que encarar um supermercado.

Lotado. É de manhã e não há espaço nem para estacionar. Qualquer peixe. Não há. Bacalhau não daria tempo de preparar, mas se desse tempo bacalhau tampouco há. Nem aquele de R$ 59,90. Do Porto. Só peixes frescos e só os mais caros. E há pouco. Filé de S. Peter, creio. Compro do caro mesmo. R$ 33 o quilo.

Agora para domingo. Um pernil, um tender ou, na pior das hipóteses, um lombinho, um peru, sei lá, qualquer coisa, que já não agüento mais demorar 5 minutos para conseguir andar 1,5 m com o carrinho.

E o pior foi entrar com o carrinho na loja (O Extra da Brigadeiro Luis Antonio). Os ovos de Páscoa ficam na entrada. Uma nuvem de gafanhotos humanos está disputando a tapa os que restam. Passar por ali, só tendo paciência budista.

Pernil, não há; lombinho, não há; tender, não há. Nem peru, nem chester nem coisa nenhuma. Há carne. Filé mignon e contra-filé. Barato. R$ 15 reais o quilo do filé e R$ 13 o do contra. Também há pouco e a turma, avançando. Vejo picanha. Tem menos ainda. Agarro um pedaço olhando feio para o gorducho alto, branco e careca de camiseta sem mangas e sandálias havaianas que põe seu enorme braço na direção do meu pedaço de picanha de 1,7 kg e custando R$ 18,80.

Agora o ovo da Letícia Maria, minha neta. Ela do meu lado. É o ovo da Hannah Montana. Tem dois. A mulher com as duas filhas que está mais próxima deles tem braços cada um da grossura das minhas coxas e cara de poucos amigos. Sugiro à minha neta o ovo de uma marca da qual nunca ouvi falar, mas que, pelo menos, está inteiro e, por ter ainda uns 15, não terei que disputá-lo com lutadoras de sumô.

 

*

 

Chego em casa. Minha filha casada, agora estudante de jornalismo, comprou seu netbook (não é notebook, é net mesmo). Não achava. Achou no Wall Mart da Chácara Flora. Muita gente comprando note e net books. Lindo o dela. Branco e cor-de-rosa. 1 giga de RAM, 170 de HD. Mil e cem reais. Windows Vista. Cabe na bolsa.

Fico aqui me perguntando que raio de crise é essa.  

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Fonte: Eduardo Guimarães - Cidadania.com

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