sexta-feira, 10 de abril de 2009

O Itamaraty, as elites e o povo

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Mauro Santayana


A diplomacia brasileira foi organizada às pressas, com a tarefa inicial de obter o reconhecimento internacional do novo Estado e de lhe assegurar os recursos necessários aos primeiros atos de autonomia. Apesar dessas dificuldades, e dos contratos leoninos que os banqueiros ingleses impuseram, seguimos, desde o princípio, uma linha necessária de ação: a de preservar a integridade nacional dentro do território histórico. E isso foi obtido – mediante as negociações diplomáticas e as armas – quando rechaçamos a presença paraguaia em Mato Grosso e participamos da luta contra Hitler, que pretendia ocupar todo o Sul do Brasil.


É conhecida a preocupação, sobretudo de Rio Branco, em aliar, na escolha de nossos diplomatas, a inteligência à elegância e à aparência. O barão não admitia mestiços, e, antes de nomear alguém, fazia questão de convidar o candidato e sua mulher, para avaliar o futuro desempenho do casal. No tempo do Império, e durante grande parte da República, o recrutamento de nossos diplomatas se fazia entre as elites oligárquicas, rurais e burguesas. Esses grupos simplesmente ignoravam o povo, e tinham a ideia de que o território era propriedade de vasto clã familiar.


Foi difícil a Rio Branco, por exemplo, preferir Ruy Barbosa a Joaquim Nabuco para a chefia da delegação brasileira à Conferência de Haia em 1907. Nabuco, que já fora embaixador em Washington, e era filho do conselheiro do Império, Nabuco de Araújo, tinha o aplomb aristocrático que agradava ao barão. Providencial surdez do pernambucano – lembrada em editorial do Correio da Manhã, pouco antes da escolha – obrigou-o a aceitar o baiano, de resto homem de origem modesta.


A aristocracia de Rio Branco não o impediu de ser o competente defensor da soberania brasileira, em todas as questões fronteiriças e, sobretudo, em episódio pouco conhecido, o da Colônia do Descalvado, quando impediu que o Pantanal se tornasse uma espécie de Congo Belga. Pouco a pouco, com o amadurecer da República, jovens da classe média passaram a ingressar no Itamaraty, e já há, entre os mais recentes, filhos de trabalhadores. Não obstante isso, o Itamaraty, até há alguns anos, dava a impressão de representar apenas algumas parcelas da nacionalidade, embora houvesse exceções notáveis. Houve momentos em que homens da elite – como foram Affonso Arinos e Santiago Dantas – dirigentes do Itamaraty, da carreira ou não, procuraram representar o Brasil como ele é, e não como outros gostariam que fosse. Ressalte-se que, durante toda sua História, nossa diplomacia oscilou entre a defesa da soberania nacional de uns e a submissão de outros.


O êxito do Itamaraty, nesses anos de Lula, é explicável. Houve, entre o presidente e a Secretaria de Estado, completo entendimento. Ainda no governo Itamar ocorreu um choque no Ministério do Exterior, quando o presidente anunciou o nome de José Aparecido para substituir o aristocrata Fernando Henrique. O próprio Fernando Henrique foi contra a indicação, embora, durante o regime militar, ninguém se opusesse a que o banqueiro monoglota Magalhães Pinto ocupasse o cargo. Aconselhado pelos seus médicos, Aparecido, que estava enfermo, declinou do convite, mas não abriu mão de indicar Celso Amorim para o lugar. Tanto naquele momento quanto nesses últimos anos, Amorim entendeu que nos devíamos unir aos povos que têm os nossos mesmos interesses. Talleyrand dizia aos jovens diplomatas que, surtout, pas trop de zéle. Amorim, ao empossar-se em 2003, como ministro de Lula, recomendou aos subordinados que não tivessem medo. Não tivessem medo de defender os interesses brasileiros no mundo, quaisquer fossem os interlocutores. Poderia ter sido mais claro e aconselhado a que não se inibissem naquele momento em que um operário assumia a Presidência da República.


O Brasil, apesar de suas dificuldades, já deixou de ser o país do Carnaval. É uma nação moderna que volta a uma verdade simples: a prosperidade é tanto mais sólida quanto é mais bem distribuída. Por isso, o Brasil é hoje a ponte política entre o Ocidente e grandes países asiáticos, como a Índia e a China. E seus diplomatas – sob a chefia do ministro Celso Amorim e do secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães – podem dirigir-se ao mundo sem chocho deslumbramento e sem a submissão com que muitos agiram no passado recente.

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Fonte: Mauro Santayana - Jornal do Brasil

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