terça-feira, 17 de março de 2009

Nassif - O Sistema Brasileiro de Inteligência e o jogo político

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Quando FHC saiu do governo, escrevi um artigo “Uma obra de arte política”, descrevendo a habilidade da estratégia de governabilidade de FHC - e o desperdício de não ter sido utilizada para um plano de desenvolvimento amplo.

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A estratégia consistia em cooptar chefes regionais com migalhas do poder, mantendo incólumes os pilares centrais do governo.

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Essa era apenas a perna conhecida do modelo criado por FHC.

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O ponto central era o controle estrito sobre o Ministério da Fazenda e toda a estrutura debaixo dele - Banco Central, CVM (Comissão de Valores Mobiliários), Secretaria da Receita Federal (SRF).

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Não se tratava apenas de manter o controle técnico sobre a economia. Era nesses ambientes que se fortalecia a perna oculta do sistema de poder montado: a criação de um modelo sistêmico de aliança com o crime organizado (de colarinho branco), que se expandia na indústria de offshores, de bancos de investimentos, de gestores de recursos.

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A maneira como Gustavo Franco autorizou as operações do Banco Araucária, as operações com leilões da dívida pública (sempre com dúvidas sobre sua transparência), o caso emblemático do Banco Santos - desde 1994, um banco quebrado que, mesmo assim, enviava centenas de milhões de dólares para o exterior, com autorização do Banco Central - e, especialmente, o caso Opportunity, demonstravam uma ampla cumplicidade entre autoridades e transgressores. A estrutura de fiscalização do Estado ficou totalmente amarrada pelas ordens que emanavam do centro do comando financeiro do governo.

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O controle do Estado

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Em entrevista que concedeu ao Terra Magazine, FHC definiu a Satiagraha como uma luta pelo controle do Estado. Nada mais claro.

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Quando o PT assumiu o poder, seguiu ao pé da letra a receita de FHC - tanto nos acordos fisiológicos inevitáveis, quanto na tentativa de cooptação desses grupos barras-pesadas.

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Esse trabalho se dá através dos dois estrategistas políticos de Lula, José Dirceu e Antonio Palocci. Palocci atuava especialmente através do Conselhinho (o Conselho que julga os recursos dos agentes financeiros) e da CVM - nas gestões Marcelo Trindade e Cantidiano. Livra-se o Banco Pactual de autuações severas por crimes fiscais, livra-se Dantas por crimes de lavagem de dinheiro e de desobediência às regras cambiais brasileiras, permite-se que o Banco Santos se torne o maior repassador de recursos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) em uma leniência sistemática.

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O Opportunity passa a financiar Delúbio Soares, através da Telemig Celular e Amazonia Celular. Palocci torna-se próximo de André Esteves, do Banco Pactual. E o BC mantinha olhos fechados para os crimes de lavagem de dinheiro.

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O Sistema Brasileiro de Inteligência

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Esse esquema começa a esboroar não apenas com o chamado escândalo do “mensalão”, mas pela iniciativa histórica do Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, de montar o Sistema Brasileiro de Inteligência.

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Essa iniciativa se dá de forma paralela com o que ocorre em outros países, quando os Estados nacionais se organizam para enfrentar a internacionalização do crime organizado.

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Nesse momento, começa a ruir o modelo de governabilidade baseado na aliança com o crime organizado. No combate ao crime organizado, o funcionário do BC não responde mais à sua diretoria mas a uma estrutura superior e interdepartamental. O mesmo ocorreu com outros funcionários da área econômica. O controle acaba.

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Sentindo que o processo era inevitável, e escaldado pelo “mensalão”, Lula dá ampla liberdade para o aparato do Estado se organizar.

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Pela primeira vez, o Estado começa a cumprir suas funções e os funcionários públicos a se libertar das amarras impostas por esse pacto espúrio. Aumenta a colaboração com as forças internacionais anti-crime, surgem as grandes operações combinadas de combate ao crime organizado. Fiscais da Receita passam a conversar com a Polícia Federal, a Coaf troca informações com o Ministério Público, a ABIN é acionada. E dessa integração começa a nascer a esperança de uma mudança estrutural não apenas no combate ao crime organizado, como na redemocratização do Estado e no aprimoramento do jogo político.

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Era inevitável o choque com a estrutura de poder montada. O ovo da serpente já estava incubado, eram muito profundas as ligações entre o crime organizado, estruturas de mídia, instâncias do Judiciário, Congresso Nacional, Executivo. O país havia se criminalizado.

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Pior, criminalizou-se com status. Chefes de quadrilha são tratados como brilhantes executivos, aproximaram-se de grupos de mídia, ajudaram na capitalização de alguns deles.

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Um dos fatores que leva à inibição do crime é a condenação social do criminoso, a não aceitação de sua presença nos círculos sociais. Por aqui, Daniel Dantas continuou a ser aceito por praticamente todas as lideranças políticas. O ato comprovado de tentar subornar um delegado não mereceu a condenação explícita de ninguém. Pelo contrário, é elogiado pelo mentor máximo da oposição, FHC, e defendido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal.

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É essa lógica vergonhosa, para nós brasileiros, que explica toda a ofensiva para desmontar o Sistema Brasileiro de Inteligência.

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Mudanças irreversíveis

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A questão é que o mundo mudou. O crime organizado de colarinho branco tornou-se ameaça mundial, combatido por todos os países civilizados. A Internet rompeu com a barreira da informação. Pode custar mais ou menos, mas será impossível ao país não se curvar à grande onda anti-crime que se seguirá à queda da economia global.

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Algumas vezes critiquei a superficialidade de FHC, sua incapacidade de perceber os ventos, os grandes fatores de transformação que permitissem lançar o país rumo ao desenvolvimento. Bobagem minha! Seu foco era outro.

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É por isso quem para ele, Protógenes é amalucado e Dantas é brilhante.

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A história ainda cobrará caro de FHC por ter institucionalizado o crime organizado no centro do jogo político brasileiro.

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Fonte: Nassif Online
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Opinião PIG 2010: "Parabéns ao Nassif pela matéria, corajoso, consegue transmitir exatamente o clima político em que o Brasil vive. Assisti esse fim de semana ao filme Batismo de Sangue, baseado no livro do Frei Betto, nele fica bem claro que não é de hoje que a sociedade brasileira, a imprensa e até mesmo a igreja é complacente com as atrocidades cometidas pelos governantes. O Brasil só vai poder se dizer um país democrático, a partir do momento em que o povo adquirir consciência política, e meu amigo, isso está muito longe de acontecer. Que a era da informática consiga reverter esse trágico cenário."

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