domingo, 28 de junho de 2009

Garapa, para quem acha que o Brasil é quase uma Suiça

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"Trailer do filme Garapa"
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Brasileiros - Quatro anos depois, você volta ao local das filmagens, agora com a mulher e o filho. O que mudou neste meio tempo?
José Padilha - A realidade básica, subjacente à fome das famílias que vivem numa situação de insegurança alimentar grave, não mudou muito nos últimos tempos. É certo que o Bolsa Família, que agora está atendendo as três famílias que documentamos, melhorou a situação delas. Mas, no caso de quem convive com a insegurança alimentar, só o Bolsa Família não basta. É necessário maior apoio, envolvendo a educação e o planejamento familiar. Duas das famílias que filmei já têm mais filhos. O Alexandre Lima, meu assistente de direção, esteve lá estes dias para mostrar o filme às famílias antes de ir para os cinemas.

Brasileiros - Por que você resolveu levar a família desta vez?
J.P. - Minha mulher, a Jô, é de classe média, não conhece esta realidade. E o Guilherme, que estuda na Escola Parque, no Jardim Botânico, já viajou para Nova York e Buenos Aires, mas não conhece ainda o Brasil. Ele resolveu até fazer um diário de viagem, o "Livro do seu Vaca", não sei de onde ele tirou este nome. Mas é legal ele escrever, escrever leva à reflexão... Vai ser bom para eles também.

Brasileiros - O que você espera de Garapa, além de uma boa bilheteria, é claro? Aquela maioria que faz três refeições por dia poderá se interessar mais pelo destino dos 930 milhões que passam fome hoje no mundo, segundo a ONU?
J. P. - Espero, principalmente, que Garapa mostre para quem for ver o filme o que significa conviver com a insegurança alimentar grave. E que faça isto de uma forma pessoal e não meramente calcada em informações e dados estatísticos. É claro que as informações e os dados estatísticos são fundamentais, mas não creio que sejam suficientes. É preciso que as pessoas que têm recursos entendam o drama da miséria extrema vista de perto. Acho que o debate já está acontecendo muito antes da estreia. O Ali Kamel (diretor do Jornal Nacional) escreveu um artigo criticando o filme no jornal O Globo e eu respondi com outro publicado pela Folha de S. Paulo. É um debate que aqui no Brasil tem muito a ver com a discussão sobre o Bolsa Família, as políticas públicas. A análise que se faz do Bolsa Família como sendo um mero instrumento de combate à fome é redução do poder que ele tem, é algo muito menor do que ele é. Eu já não compro esta redução.

Brasileiros - Segundo o IBGE, são 11 milhões de famílias que vivem em condições de insegurança alimentar grave no Brasil, quer dizer, que vivem com fome. Mas como ficam aqueles outros milhões que nem têm documentos e, portanto, estão fora das estatísticas, pessoas que não existem oficialmente? Quantos são?
J. P. - Fiz essa pergunta ao IBGE e eles não souberam me responder, falaram que não têm esse número. Acho que deveria haver um esforço do governo federal, quase como se fosse uma força tarefa, para fazer este levantamento e providenciar documentos para todos. Porque estes não têm acesso a nenhum programa social, são os miseráveis dos miseráveis, os excluídos dos excluídos.

Brasileiros - Qual tem sido a reação da crítica e do público nas pré-estreias do filme em Berlim, Nova York, São Paulo e Rio de Janeiro? É o que você já esperava? O que mais te chamou a atenção nas reações das pessoas nessas plateias?
J. P. - A reação é a esperada. Em geral, há um silêncio que demonstra que as plateias, apesar de conscientes da realidade da fome, não a haviam presenciado de perto. Depois, as perguntas que me fazem tendem a ser muito interessantes e mostram que, quando a insegurança alimentar é conhecida de perto, há motivação para acabar com ela. As reações da crítica em geral, principalmente na Alemanha e nos Estados Unidos, foram muito boas, embora alguns críticos se incomodem com o preto e branco. Parte das plateias lá fora ficou em estado de choque, escutei choros.
Umas dez mil pessoas já viram o filme antes da estreia no circuito normal. Na última pré-estreia em São Paulo, teve uma coisa inusitada. Eu estava com alguns amigos meus, atores, conversando do lado de fora do cinema da Folha de S. Paulo, quando passou por mim um senhor bastante transtornado. Já estava começando a subir pela escada rolante quando olhou para trás e se deu conta de que tinha passado por mim. Não resistiu, voltou, e me deu um pito deste tipo: "Eu não sou obrigado a ver este filme! Ainda bem que eu não tive que pagar ingresso. Quem é obrigado a ver este filme são os governantes, eu não tenho nada a ver com isso". Aí ele foi embora...
Mas em geral as pessoas não saem do cinema. Em Berlim, tinha pessoas sentadas no chão, em Nova York a mesma coisa.

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