domingo, 13 de dezembro de 2009

Crystal de Jaboatão

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Por Urariano Mota

UM CRISTAL HUMANO

Amigos e amigas, um cristal que não tem preço. Uma pequena história de Dickens fora dos livros.

No JC http://jc3.uol.com.br/jornal/2009/12/12/not_358480.php

Preciosidade descoberta por acaso

Publicado em 12.12.2009

Menina de 10 anos que impactou a todos tocando Chopin como há muito não se via, faz jus ao nome de batismo: tem brilho inconfundível

Parece que o desempregado Carlos Alberto estava adivinhando quando deu à sua primeira filha o nome de Crystal. A menina de 10 anos que impactou a todos tocando Chopin como há muito não se via, faz jus ao nome do registro de nascimento: tem um brilho inconfundível.

Poucos sabem que no escondido conservatório Musicale, localizado entre uma lojinha e outra do centro do Recife, está a mais recente celebridade do País, a pianista prodígio Crystal.

Moradora de uma invasão em Jaboatão dos Guararapes, Crystal não ficou famosa por ser apenas um exemplo de superação, mas por revelar um talento inquestionável diante de tantas pessoas. “Em 30 anos de ensino, eu nunca vi algo assim”, revela a atual professora de piano Joana Darc Florêncio. Entrando na salinha do conservatório podem ser vistos um piano, um senhor e uma criança de pele escura e cabelos crespos. É exatamente assim que Crystal passa os seus dias, na presença de seus grandes amores: o pai e o instrumento.

Vinda de uma comunidade de baixa renda, o primeiro contato com a música foi aos sete anos, quando viu uma pessoa tocando piano durante um culto na igreja batista que a família frequentava. Ela perguntou ao pai se poderia aprender a tocar piano. Segundo seu Carlos, foi um dos momentos mais felizes da vida dele. “Eu disse que ela poderia tudo o que quisesse na vida, se fosse dedicada”, contou o pai. Este seria apenas o primeiro de vários conselhos que viriam direcionar Crystal para uma carreira de sucesso. Crystal ouviu o pai. Na própria igreja, começou a ter aulas e desde então o interesse pelo instrumento só cresceu. “No meu primeiro dia de aula, o professor me deixou com o piano e foi ao banheiro. Quando ele voltou, eu já estava fazendo a escala de dó”, conta a garota tocando as notas primárias no Essenfelder em que estava estudando.

Durante a entrevista, Crystal agia com a espontaneidade de uma criança. Enquanto responde, ela dança, pula, quase cai da cadeira, vai lá fora, volta. A menina de presilhas cor-de-rosa no cabelo parece não compreender a dimensão do que está acontecendo à sua volta. “Ela é muito trelosa. Só pensa em bicicleta, sorvete. Ela e o irmão, Mateus, de quatro anos, são os bagunceiros da casa.

Depois de um tempo de estudo na igreja, Crystal conseguiu entrar para o conservatório da sua cidade e então foi descoberta pela professora Helena Barros. A professora, que tinha uma preciosidade nas mãos, apressou-se em levar o “artigo raro” para a “análise” de duas profissionais de sua confiança, as professoras Joana e Janete Florêncio. “Engraçado que naquela mesma semana nós estávamos comentando que há tempos não víamos um grande talento no piano”, contou Janete. “Quando Helena nos contou de Crystal, pensamos ser exagero, mas a menina chegou, sentou no piano e leu sozinha uma partitura dificílima de Chopin. Não acreditamos que este talento estava escondido esse tempo todo”, completou.

Três meses foram suficientes para afinar a garota para um torneio que se realizaria no Conservatório Pernambucano de Música. Crystal tocou e ganhou para pianistas de todo o Nordeste na categoria especial. Foi então que os convites começaram a surgir, inclusive o de participar do show dos sertanejos em São Paulo. “Eu nunca tinha saído daqui, foi muito bom, mas melhor ainda foi tocar para aquelas pessoas”, conta Crystal. Questionada sobre o medo de se apresentar diante de tanta gente, a menina responde agora como adulta: “Fiquei um pouco nervosa. Mas quando eu começo a tocar, o nervosismo passa. Quando você tem intimidade com o seu instrumento, parece que só tem você e ele ali, mais ninguém”.

As preocupações da menina também são de gente grande. “Agora que eu ganhei um piano, eu sonho com três coisas: uma casa melhor, um emprego para o meu pai e que todo mundo da minha família seja feliz. Eu sei que Deus me deu um dom, e vou usar ele para realizar todos os meus desejos”, conta.

Ao final da entrevista, a memenina volta ao piano. As pequenas mãos que quase não alcançam as oitavas se movimentam precisamente, mas com muita naturalidade. A sala se enche com melodia, impossível não emocionar a quem escuta. Aliás, neste caso, ouvir não basta. É necessário vê-la para crer. (D.M.)

Paixão pela música vem muito antes do berço

A maturidade de Crystal não surgiu de uma hora para outra. Carlos Alberto do Espírito Santo, além de pai, é o seu grande mentor e se preocupou desde sempre em preparar a filha para as difíceis situações com que ela poderia se deparar. “Quando ela ia ensaiar no piano do colégio, eu chamava todos os seus amigos para ouvi-la. Ela reclamava, mas eu dizia que era para ela se acostumar, porque no futuro, ia tocar para muito mais gente”, lembra o pai.

“Crystal, o piano é a criatura, você é o criador”. Os conselhos de Carlos Alberto são responsáveis por muito do que a filha é hoje. Desempregado, ele acredita que a falta de um trabalho faz parte dos planos de Deus, já que, se estivesse ocupado, não teria tido tempo para cuidar da formação da filha. Segundo seu Carlos, “Papita”, como chama carinhosamente a filha, foi resposta de orações. Também aos dez anos, ele começou a se interessar por música erudita e estudar sobre o assunto. O rapaz de vida sacrificada acumulou conhecimento, mas teve de guardá-lo, pois, segundo ele, não havia ninguém que se interessasse em conversar sobre aquilo. “Então eu pedi a Deus que colocasse alguém em minha vida com quem eu pudesse compartilhar o que eu mais gostava. E essa pessoa é Crystal. Apesar de ser nova, ela é minha amiga e eu não sou só seu pai, mas protetor, conselheiro e acima de tudo amigo”, afirma.

No entanto, ele conta que nem sempre a vida foi fácil para a sua família. Quando Crystal começou a se interessar pelo piano, muitas dificuldades surgiram, inviabilizando muitos dos sonhos que Carlos tinha para a filha. “Houve uma época em que Crystal desanimou, perguntou porque ela não tinha um piano e nem dinheiro de passagem para estudar em algum lugar. Eu perguntei a ela: você confia no seu pai? As dificuldades não podem nos enfraquecer e sim nos fortalecer”. As palavras surtiram efeito e pai e filha continuaram numa jornada sem saber onde tudo ia dar. “Eu confio em Deus, sei que ele tem o melhor. Olho para trás e vejo como a vida da minha filha mudou em apenas três meses”, diz com a voz embargada. Ele passa alguns segundos com a cabeça baixa e completa: “Eu já disse para ela que o que interessa não é a fama, porque televisão, eventos, tudo isso passa. O que eu quero é que ela busque o sucesso, sem nunca deixar de lado os valores que aprendeu”. (D.M)


Fonte: Luis Nassif


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