por Luiz Carlos Azenha
Existe um princípio do marketing eleitoral nos Estados Unidos segundo o qual você precisa definir o seu adversário antes que ele consiga se definir diante da opinião pública.
Como os EUA são a fonte onde bebem os marqueteiros do Brasil, deve ter nascido aí a estratégia de José Serra para chegar ao Planalto, aliada às ferramentas das quais ele já se utilizou em 2002 para matar a candidatura de Roseana Sarney no berço: o trabalho de agentes públicos que dão um ar oficial aos dossiês, devidamente divulgados pela mídia. O padrão dos "assassinatos de reputação" está de volta.
Dilma, a terrorista, foi obra da Folha de S. Paulo. É uma espécie de pedágio que o jornal pagou, no rodízio que os órgãos da propaganda eleitoral de Serra fazem. Uma hora é a Folha que denuncia, repercutida pela Globo. Outra hora é a Veja que denuncia, repercutida pelo Estadão. De outra feita a Globo denuncia e os jornais correm atrás. É um ciclo de retroalimentação, sempre com objetivos políticos. Informações são misturadas a boatos e ilações. Em um fato real são penduradas dezenas de suposições. A estratégia pressupõe que o eleitor é estúpido, que o leitor, o telespectador e o ouvinte jamais saberão discernir o real do imaginado.
Finalmente, nessa estratégia, as pesquisas eleitorais medem os resultados. Peças da narrativa que não deram certo são descartadas. E é assim que a campanha é calibrada. Dilma a terrorista deu para trás.
Agora passamos a uma nova fase: Dilma, a mentirosa aliada de gente financiada por narcotraficantes.
Para estudar esse fenômeno eleitoral, a edição da revista Veja que chegou às bancas é um primor. Revela uma sofisticação inédita. Na capa, anuncia o confronto Dilma x Lina [a ex-secretária da Receita Federal que acusou Dilma de ter pedido a ela agilidade nas investigações sobre a família Sarney em encontro que a ministra nega].
"Cabe à acusadora mostrar as provas contra a ministra", diz o título. No índice, a chamada é outra: "Dilma: uma rebelião surda contra sua candidatura". Finalmente, na reportagem, o título: "Quem está dizendo a verdade?" O texto é um maravilhoso exemplo de como encher espaço com absolutamente nada.
Começa com uma pensata pretensiosa sobre o uso da mentira na política. Sugere descontentamento entre petistas com a candidatura de Dilma Rousseff. Alinhava "fatos e versões", com os títulos de "o fato", "o que disse a ministra" e "o que foi comprovado". Sugere, sem dizer isso escancaradamente, que Dilma é mentirosa. Ou, pelo menos, que não dá para confiar nela. "Se o rótulo de mentirosa colar na ministra, será muito difícil superar isso em uma campanha", diz o texto. Bastante sugestivo isso, especialmente quando impresso na Veja.
Mas a Veja não seria a Veja sem Diogo Mainardi. Depois de, sob o título de "O Dízimo do Tráfico", especular que dinheiro de narcotraficantes colombianos teria sido investido na Igreja Universal, ele escreve:
"A Igreja Universal, nos últimos dias, atrelou sua imagem à de Lula. É a mesma estratégia empregada por José Sarney. Um apoia o outro. Um defende o outro. Edir Macedo está com Lula e com Dilma Rousseff. Agora e em 2010. Se a Igreja Universal tem um Diploma de Dizimista, assinado pelo Senhor Jesus Cristo, Dilma Rousseff tem um Diploma de Mestrado da Unicamp, supostamente assinado pelo senhor Espírito Santo. O senhor Edir Macedo e o senhor Lula se entendem. Eles sabem capitalizar a fé".
O bom do Diogo Mainardi é que ele facilita sobremaneira o nosso trabalho. Em apenas um parágrafo conseguiu ilustrar a campanha de José Serra ao Planalto melhor que qualquer um faria. Juntou em apenas um parágrafo Lula mentiroso, Lula explorador da fé pública e José Sarney. Por associação, coloca no mesmo saco Dilma, Lula e gente que teria recebido financiamento de narcotraficantes colombianos. Só faltou juntar as FARC e o Fidel Castro.
Mas não se encerra por aí o primor desta edição imperdível. Tem mais. Tem seis páginas dedicadas ao novo e magistral livro de Ali Kamel sobre... Lula. Ou sobre as declarações de Lula. É curiosa essa obsessão do diretor de Jornalismo da TV Globo com aquele que ele, Kamel, tentou desesperadamente derrotar em 2006.
Depois de provar que não somos racistas, Kamel gasta 672 páginas para provar que... Lula não é Lula.
"Um brasileiro médio, mais ou menos crente em Deus e que se vê como proponente de uma sociedade capitalista onde haja mais harmonia entre pobres e ricos". É assim que Kamel define Lula. Sobre isso, leia aqui.
Para terminar, a verdadeira piada de Veja: precedendo as seis páginas dedicadas a Kamel, duas páginas de propaganda da Globo sobre o Criança Esperança. Poderia ser um pouco menos explícito?
PS: Não percam, neste sábado, o Jornal Nacional repercutindo a capa da Veja. Estamos de volta a 2006.
PS2: A simbiose entre Veja, Globo, Kamel e Mainardi se estende aos políticos que alimentam e prestam serviço a ambos. O compadrio entre a elite brasileira é coisa antiga.
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