terça-feira, 14 de julho de 2009

Nassif - Serra e o golpe da comenda

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Do Painel do Leitor da Folha

“Texto de Ricardo Melo dá curso a boataria que circulou nos últimos dias pela internet, em sites e blogs de menor repercussão. Repete o jornalista que o governador Serra teria atribuído à ONU um prêmio recebido na semana passada, outorgado por uma ONG.1. A entidade não é filiada (ou seja, com relação direta) à ONU. O governo de Sâo Paulo continua enrolando. Ela é uma mera associada (ou seja, papel consultivo), uma das 3.195 ONGs associadas ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC). Essa confusão entre filiação e associação é comprovante da falta de assessoria internacional do governo do Estado.

Como consta de todo o material distribuído sobre a homenagem, em momento algum o governador ou sua assessoria disseram diferente: o prêmio é da WFO (World Family Organization), entidade com sede em Paris, filiada à ONU e fundada em 1947. É, ao mesmo tempo, endossado pelo Comitê Econômico e Social (Ecosoc) da ONU. Durante reunião anual do Ecosoc (entre os dias 6 e 9 últimos) na sede europeia da ONU, em Genebra, o prêmio foi entregue ao governador, como um dos eventos dessa reunião plenária, na presença de jornalistas brasileiros.

Acrescente-se que não é prática do governador ostentar títulos que não tem. Primeiro, porque não seria ético. Segundo, porque seu currículo dispensa maquiagens.”

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ, coordenadora de Comunicação e Imprensa da Secretaria de Comunicação do Governo de São Paulo (São Paulo, SP)

Comentário

Não chamarei Júnia de assessora inexpressiva, primeiro porque ela tem história; depois, porque o texto é do Serra. Mas vamos à maneira como o governador tenta esconder o mico que pagou.

Antecipo alguns pontos:

1. A entidade não é filiada (ou seja, com relação direta) à ONU. O governo de Sâo Paulo continua enrolando. Ela é uma mera associada (ou seja, papel consultivo), uma das 3.195 ONGs associadas ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC). Essa confusão entre filiação e associação é comprovante da falta de assessoria internacional do governo do Estado.

2. A presidente dessa entidade (na foto ao lado do governador) responde a processos em dois estados e, provavelmente, incorrerá em um novo processo em um terceiro estado. Acusação: estelionato.

3. Em todas as manifestações sobre o evento, Serra fez questão de salientar que seria na sede da ONU. A troco de quê dar mais destaque ao local do evento do que à entidade organizadora? Obviamente passar a impressão de que havia o aval da ONU à premiação.

4. A única informação correta da nota da assessora é que Serra não precisaria dessa encenação para enriquecer seu currículo. O José Serra original certamente não faria isso. O ator que se faz passar por José Serra, depois que virou governador, mostrou-se capaz de incorrer em ridículos continuados.

Vamos aos detalhes dessa ópera bufa.

A ONG sob suspeita

A tal WFO (World Family Organization) é uma ONG com sede em Curitiba. Não se trata de organização internacional. Sua presidente, Deise Noeli Weber Kusztra, está enrolada com a justiça em Sergipe, Paraná e Santa Catarina.

Uma simples busca no Google permitiria a Serra - se é que não soubesse desse tipo de golpe - não pagar esse mico e aparecer na foto ao lado de uma senhora sob suspeita de ser uma estelionatária.

Em Sergipe, essa WFO apareceu no governo João Alves. Premiou o governador, prometeu trazer US$ 1 bilhão em investimentos, através do programa Via Rápida da ONU, se Alves fosse reeleito. Aracaju testemunhou aparelhos hospitalares sendo desembarcados na cidade, para aparelharem um hospital supostamente doado pela WFO. Depois da eleição, descobriu-se que todo o dinheiro tinha saído do estado, R$ 115 milhões sem licitação. O hospital passou a dar problemas na primeira chuva. Depois, descobriu-se que R$ 6 milhões tinham desaparecido, sem que fossem prestadas contas. (clique aqui para um amplo material sobre a ONG).

Como levantou Stanley Burburinho, antes disso, em 2003 Deise passou a responder a processo em Curitiba, por desvios na Associação Sazza Lates, entidade dirigida por ela no período de 1987 a 2000. Deixou um romb o de R$ 592 mil, desviado da entidade através de cheques de R$ 40 mil cada, descontados por um funcionário.

Outra fraude era a movimentação de recursos para pessoas e entidades sem qualquer relação com a Saza Lattes (clique aqui).

Depois, montou um projeto no Balneário Camboriú. Houve aditivos da Prefeitura ao projeto . Agora, a Câmara de Vereadores quer informações sobre o dinheiro da Prefeitura (clique aqui).

Em entrevista à Tribuna Catarinense, de 21 de março passado, Deise não sabia informar porque o contrato havia sido aditivado em R$ 900 mil. Segundo Deise, era merreca perto do valor do investimento, de R$ 30 milhões. Ela não sabia informar quantos funcionários o hospital empregaria, qual o custo da manutenção do hospital (clique aqui).

As filiadas da ONU

No caso de Sergipe, Deise ofereceu repercussão política ao governador José Alves. Deu a entender claramente que tinha relações com a ONU e que traria recursos. Vendeu prestígio em troca de verbas estaduais.

No caso de José Serra, não há nenhuma indicação de que tenha obtido contratos em São Paulo, mas montou-se um jogo de cena para passar a impressão de que o prêmio tinha relevância: o que demonstra malícia de Serra ou falta de assessoria internacional, para cair em uma esparrela dessas.

Os próprios comentaristas do Blog alertaram que não existe organismo internacional filiado à ONU.

Como lembrou André Araújo, “ou é do United Nations System e se localiza no seu site (UNITED NATIONS SYSTEM) tanto no chart (organograma) como Indice ou não é do sistema ONU. Todos os organismos do Sistema são considerados supra-nacionais e seus funcionários tem isenção total de impostos. É sim ou não, não é mais ou menos. A World Family Organization não consta do site do United Nations System”.

A desinformação do Palácio Bandeirantes foi tanta que, na própria carta ao Painel do Leitor, a assessora de imprensa informava que a enmtidade era “filiada” à ONU. Isso depois dos esclarecimentos prestados pela própria assessoria da ONU:

A World Family Organization (WFO) não é uma entidade da Organização das Nações Unidas (ONU). Trata-se de uma Organização Não-Governamental (ONG), com sede em Paris, associada ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da ONU, com status consultivo, e associada ao Departamento de Informação Pública (DPI) da Organização.
As ONGs associadas ao ECOSOC e afiliadas ao DPI não representam a ONU nem podem, em qualquer hipótese, falar em nome da Organização. Seu papel é de colaborar com as Nações Unidas, de forma voluntária, ajudando na divulgação das atividades da Organização e, no caso do ECOSOC, contribuindo com sugestões às atividades do Conselho.

O leitor Pery Teixeira trouxe mais informações sobre essas ONGs:

A World Family Organization (WFO), que vai premiar o Serra, é justamente uma dessas 3195 ONGs que trabalham com a ONU. Assim como ela, podem-se encontrar no site do ECOSOC ONGs como: Associação Mundial dos Jornais, Conselho Mundial das Igrejas Independentes Cristãs, União das Mulheres da Rússia, Associação das Mulheres Solidárias do Iran, Aliança para o Casamento, Associação Americana de Criminologia, União dos Advogados Árabes, et outras três mil, cento e poucas organizações.

A divulgação do evento

Mas toda a divulgação do evento visou passar a impressão de que a premiação era da ONU.

No seu Twitter, Serra informava, comovido:

No seu discurso, sustentou que

Como assim? A maior emoção da vida do Serra foi um prêmio dado por uma organização presidida por uma senhora que responde a processos em dois estados? E por que dar mais ênfase ao local onde ocorreria a premiação do que ao órgão que premiou? Aliás, em nenhum momento se informa que a tal WFO é uma ONG.

A Agência Estado e o G1 repercutiram assim:

Serra ganha prêmio internacional por atuação em Saúde

Uma escolha individual de uma ONG presidida por uma senhora que aplicou prováveis golpes em pelo menos dois estados no país viroui “prêmio internacional”. E, segundo o própri Serra, concedido no plenário do Conselho da ONU.

Conclusão: o governador Serra até hoje não entendeu que, na era da Internet, não dá para armar cenas como essa.

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