domingo, 4 de outubro de 2009

Presidente Lula propõe uma Consolidação das Leis Sociais

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Em entrevista concedida ao jornal Valor, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que pretende mandar ao Congresso ainda este ano um projeto de lei para consolidar as políticas sociais de seu governo. A ideia é amarrar no texto da lei uma “Consolidação das Leis Sociais”, a exemplo do que Getúlio Vargas fez, na década de 50, com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Também faz parte dos planos do presidente encaminhar este ano ao Congresso um projeto de inclusão digital para integrar todo o país todinho com fibras óticas.

A entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicada quinta-feira (17) no jornal Valor, continua repercutindo em vários setores como uma das manifestações políticas mais completas do Presidente. Vários jornalistas engolem seco e admitem: uma fala de estadista. Reproduzimos abaixo a íntegra da conversa que os jornalistas Claudia Safatle, Maria Cristina Fernandes, Cristiano Romero e Raymundo Costa mantiveram com o presidente da República:

"Quem sustentou essa crise foi o governo e o povo pobre, porque alguns setores empresariais pisaram no breque de forma desnecessária"

“A gente não deveria ficar preocupado em saber quanto o Estado gasta. Deveria ficar preocupado em saber se o Estado está cumprindo com suas funções de bem tratar a população.”

Valor: Bom, Presidente, o BNDES, no conjunto do pré-sal, está pedindo uma capitalização de R$ 100 bilhões. O senhor já autorizou?

Lula: Primeiro, nós acabamos de dar 100 bilhões para o BNDES, não faz muito tempo. Nem utilizamos ainda todo o dinheiro do BNDES. Lógico, veja, que para nós o pré-sal começa ontem, porque quando nós nos debruçamos sobre a quantidade de investimentos em obras de infraestrutura, a quantidade de investimentos em equipamentos... Ontem, eu ainda, no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, pedi para que os empresários constituíssem um grupo de trabalho, para que a gente desse uma certa dimensão do que a gente vai precisar nesses próximos 15 anos entre infraestrutura para o pré-sal, entre equipamentos na construção de sondas, na construção de plataformas, na construção...

Valor: Toda a cadeia?

Lula: Toda a cadeia, até porque nós precisamos preparar o País. Você não deixa para começar quando a Petrobras avisar: “Olhe, agora já podemos tirar 100 mil barris/dia de cada poço”. Você não pode começar dali. Você tem que estar pronto e isso vai exigir muito dinheiro. Obviamente que essa discussão não veio ainda para a mesa. Certamente o Guido trará ela à mesa quando for necessária, e eu posso garantir para vocês que não faltará dinheiro para a gente explorar o pré-sal, não faltará. Nós temos em conta o que isso representa para o Brasil e, se for necessário aportar recursos a mais para o BNDES, nós aportaremos recursos porque é importante. Agora, isso... sempre que isso acontece, certamente o Guido vai trazer para a mesa, junto com o Luciano, para a gente discutir as necessidades e as possibilidades.

Valor: Porque junto com esse mapeamento de toda a cadeia, de tudo o que será necessário na cadeia produtiva, tem também a decisão do governo de fazer uma política industrial voltada para o setor e voltada para a demanda nacional, não é? Eu perguntaria: isso vai criar uma nova liderança empresarial no Brasil, uma nova burguesia?

Lula: Eu não sei se criaria uma nova burguesia. Certamente aumentará muito o setor empresarial brasileiro porque nós precisamos aproveitar o pré-sal e também criar um grande polo petroquímico no Brasil. Ou seja, nós não podemos ficar em sexto, em sétimo, em oitavo lugar no setor petroquímico depois de nós descobrirmos o pré-sal. Nós precisamos fazer muitos investimentos, já estamos discutindo. Eu pedi para o Luciano Coutinho coordenar um grupo de trabalho para que a gente possa anunciar logo um plano de fomento à indústria petroquímica no Brasil. É a oportunidade de ouro que o Brasil tem e nós não vamos ter o direito de jogar fora.

E o que eu tenho pedido aos empresários brasileiros, ainda na semana passada, quando fomos inaugurar a quilha, bater quilha lá no Atlântico Sul? Eu pedi para os empresários brasileiros se prepararem para coisas maiores, se prepararem para outras coisas, porque tudo isso é apenas o começo. Nós vamos precisar de mais estaleiros, vamos precisar de mais diques secos, e isso as pessoas têm que começar a compreender, que tem que começar a investir agora para que a gente comece a ter isso pronto daqui a três, quatro anos, para que quando for necessário, as coisas estejam prontas. E, sobretudo, convencer empresas multinacionais de outros países a virem fazer os seus investimentos aqui no Brasil, construindo parceria com empresas brasileiras.

Valor: Presidente, o senhor está meio que irritado com a Vale?

Lula: Não, eu não estou irritado com a Vale. Eu tenho cobrado da Vale, sistematicamente, a construção de siderúrgicas no Brasil. Todo mundo sabe o que a Vale representa para o Brasil, o que a Vale representa, de imagem, para o Brasil, é uma empresa excepcional. Mas agora a Vale não pode se dar ao luxo de ficar exportando apenas minério de ferro. Ou seja, os chineses começam a comprar minério de ferro, começam a acumular minério de ferro, já estão produzindo 535 milhões de toneladas de aço. Nós continuamos com 35 e daqui a pouco nós temos que começar a importar aço da China, não tem nenhum sentido. Quando a gente vende uma tonelada de minério de ferro, custa um tiquinho.

Valor: E não recolhe imposto aqui.

Lula: E não paga imposto. Então, tudo isso eu tenho discutido com a Vale porque eu respeito muito a Vale. Quando a Vale contrata navio de 400 mil toneladas na China, é de se perguntar: E o esforço imenso que eu estou fazendo para recuperar a indústria naval brasileira? Por que esse navio...

Jornalista: A Vale não é uma empresa privada?

Lula: Ora, veja, pode ser empresa privada ou pública, mas o interesse do País está em primeiro lugar. As empresas privadas têm tanta obrigação com o País como eu tenho. Não é porque eu sou presidente, que só eu tenho responsabilidade. As empresas têm. Se nós quisermos construir uma indústria competitiva no mundo, nós vamos ter que entender que este país tem que ser fortalecido. A pergunta que eu faço é a seguinte: Alguém compra um navio em Cingapura, alguém compra um navio na China, e vamos supor que a pessoa ganhe 10% de lucro. Agora, será que as pessoas já imaginaram, com um navio construído aqui, quanto de 10% a gente iria ganhar gerando salário, gerando emprego, gerando consumo, gerando renda? Não é possível a gente pensar um pouco neste país? Será que a gente vai jogar fora o século XXI, outra vez? Tem o pré-sal, tem a Vale do Rio Doce, tem tantas empresas importantes, e em vez de a gente fomentar a industrialização do país, a gente simplesmente pensa no lucro da nossa empresa e compra lá fora? Os empresários têm tanta obrigação de ser brasileiros e nacionalistas quanto eu. Então, o que eu estou fazendo: estou fazendo uma discussão com a Vale do Rio Doce, já fiz discussões com outras empresas. Porque é assim, quando nós queremos importar aço da China, os empresários brasileiros não querem. Mas quando eles aumentam o preço, eu sou obrigado a reduzir a alíquota para poder equilibrar. Esse é o papel do governo. Eu sei a importância das empresas brasileiras, ninguém mais neste país brigou para que as empresas brasileiras virassem multinacionais do que eu. Eu acho que cada empresa brasileira que vira uma multinacional, é uma bandeira do Brasil fincada em outro país. Mas nós temos que ter em conta que precisamos fazer o Brasil aproveitar essa oportunidade histórica e construir o seu futuro.

Valor: Mas o produto lá não é mais barato e tecnologicamente mais avançado?

Lula: Eu não sei se tecnologicamente é mais avançado. Pode ser mais barato, pode ser mais barato. Agora, é o mais barato... é exatamente isso. Quando nós começamos a discutir com a Petrobras sobre a construção de plataformas, o que a Petrobras falava? “É, porque nós economizamos não sei quantos milhões”. Eu falei: tudo bem. E os desempregados brasileiros? E o avanço tecnológico deste país? E a gente ter a possibilidade de fazer plataformas aqui e exportar para fora? Então, em vez de apenas você comprar, vamos convencer as empresas, nós temos demanda. Então, que essas empresas venham construir no Brasil. Nós não estamos pedindo favor, nós não estamos pedindo para eles virem fazer uma aventura aqui...

Nós não estamos pedindo para eles virem aqui fazerem um favor para nós. Nós estamos dizendo: nós vamos precisar de muita coisa. Talvez o Brasil passe a ser, daqui para a frente, o país a consumir mais implementos para construir sondas, plataformas e navios. Ora, se é assim, nós oferecemos o mercado, nós temos o direito de dizer: faça aqui no Brasil, monte o seu estaleiro aqui, monte o seu dique seco aqui, monte a sua metalúrgica aqui, monte a sua siderúrgica aqui. Porque é isso que cria uma nação, é isso que cria uma nação. É quando ela tiver base industrial produtiva...

Valor: Outro dia, eu conversando com a ministra Dilma, ela falou das campeãs nacionais. Você criar empresas que sejam globalizadas a partir daqui, e com isso você cria inclusive uma nova classe de liderança empresarial.

Lula: Se vocês tivessem a sensação que eu tive na sexta-feira, em Recife, de conhecer aquilo que eu conheci, mato vazio, e você ver o que é o estaleiro Atlântico Sul... É motivo de orgulho para um país, é isso que cria um país. Você ver a quantidade de meninos filhos de cortadores de cana que não sabiam fazer outra coisa a não ser cortar cana, em nove meses se prepararam para ser montador, para ser soldador, para ser serralheiro; ver a primeira vez na vida que eles têm uma carteira profissional assinada; não tem nada mais orgulhoso do que isso. E você não pode, em nome de uma economia de 10 milhões, de 15 milhões, você fazer isso.

Valor: Mas o governo pensa, Presidente, nesse programa e também em reduzir custos de produção no Brasil, via redução de carga tributária, do custo financeiro, para atrair fabricantes internacionais?

Lula: Deixem-me dizer uma coisa para vocês: toda vez que a gente conversar, a gente tem que olhar o horizonte que a gente quer chegar e a gente tem que olhar de onde a gente partiu. E nós temos que lembrar que nesse momento a gente tem uma crise econômica em que o custo financeiro subiu no mundo inteiro. Quando eu afirmava para vocês que o Brasil seria o último a entrar e o primeiro a sair da crise é porque nós tínhamos certeza da solidez do que a gente estava fazendo. Vocês sabem o quanto custou de desoneração para nós esse momento.

Valor: Quanto?

Lula: Desde que eu entrei no governo, nós já desoneramos, se levar em conta a CPMF, mais de R$ 100 bilhões. Mais de R$ 100 bilhões. Agora, eu tenho uma tese que é uma tese que eu morrerei defendendo. Ontem eu até disse para os empresários: olhem, vocês falam em reforma tributária; eu já mandei duas e as duas foram concordadas com vocês, as duas foram concordadas com os 27 governadores dos estados, as duas eu fiz reuniões com as lideranças partidárias e, quando elas chegam ao Senado, tem, como diria o Jânio Quadros, o inimigo oculto, que não as deixam ser aprovadas.

Valor: Forças ocultas...

Lula: Que elas não são. Todo mundo é favorável e não é aprovado. Então, veja, eu disse para eles: a gente pode fazer, reduzir o setor produtivo. A gente poderia copiar o modelo europeu que vocês tanto gostam: a gente reduz os investimentos e aumenta o imposto na pessoa física. Então vamos pagar o Imposto de Renda que pagam os europeus. Porque sabe o que acontece? Uma discussão que as futuras gerações vão ter que fazer corretamente é a seguinte: o Estado não pode ser o gerenciador; o Estado não pode ser o administrador; o Estado tem apenas que ter o papel de indutor e o Estado tem que ter apenas o papel de fiscalizador. O Estado tem que permitir...

Valor: E, às vezes, dissuadir também, né?

Lula: Obviamente.

Valor: Indutor.

Lula: Veja, eu tenho dez estaleiros para construir, eu tenho que discutir quais são os melhores lugares para a gente colocar esses estaleiros. Em função do quê? Em função de você fazer uma distribuição do desenvolvimento regionalizada, porque não é possível que o Brasil continue ainda no século XXI, com uma parte do País sendo, nos indicadores sociais, os piores em tudo; na educação, os piores em tudo, ou seja, o que tem mais analfabetos, o que tem menor qualidade de ensino, o que tem menos doutores, o que tem menos mestres, o que tem menos institutos de pesquisa, o que tem menos indústrias. Então, você levar um estaleiro para Pernambuco, você levar um estaleiro para a Bahia, você levar um estaleiro para o Ceará, você levar uma refinaria para Fortaleza, uma refinaria para o Ceará, se dependesse da Petrobras...

Se dependesse da Petrobras, a Petrobras não gostaria de fazer refinarias, porque na lógica da Petrobras as que têm já atendem. Fazia 20 anos que a Petrobras não fazia. Desde 1980 que a Petrobras não fazia uma refinaria nova. Agora, o que significa uma refinaria em um estado? O que é que vem de indústria atrás de uma refinaria? A primeira coisa que vai é um polo petroquímico para aquela região.

Então, esse é o papel do governo, esse é o papel do governo. O governo não pode se omitir. Aliás, eu acho que a fragilidade dos governantes do mundo, hoje, é que eles acreditaram, nos últimos dez anos, que o mercado resolvia o problema. E agora, quando chegou a crise, todos eles perceberam que se os Estados não fizessem a intervenção que fizeram, a crise seria muito mais profunda. Eu digo sempre: se o Bush tivesse dimensão da crise e ele tivesse colocado US$ 60 bilhões no Lehman Brothers antes de ele quebrar, possivelmente nós não tivéssemos a crise de crédito que nós tivemos no mundo.

Então, a Vale entra nessa lógica minha. A Vale é uma empresa importante e a Vale precisa agregar valores às suas exportações. Eu vou te dar um exemplo. Se ela exportar uma tonelada de bauxita, ela vai exportar por US$ 30, 30 ou 50, o número exato eu não tenho. Se ela exportar uma tonelada de alumina, ela vai ganhar US$ 500 por tonelada. Se ela exportar o alumínio pronto, ela vai vender a US$ 3.000 a tonelada. Agora, além disso, você imagina que vai precisar construir hidrelétrica para fazer energia, você imagina que vai gerar empregos aqui dentro, [que] você vai ter mão de obra qualificada.

Então, é apenas isso. Não pode ser apenas o interesse imediato do lucro porque é matéria-prima que acaba. Vai chegando uma hora em que as minas vão acabando. Então, antes de acabar, nós precisamos ganhar dinheiro com isso, e ganhar dinheiro com isso será a gente fazer investimento nas indústrias de transformação aqui no Brasil. E a Vale entende isso, a Vale entende isso. Obviamente...

Valor: Ela se comprometeu?

Lula: Obviamente... É só ver as propagandas dela nos jornais.

Valor: Das siderúrgicas, das siderúrgicas. Vai ter siderúrgica? Há dois anos a gente esteve aqui e o senhor falou isso.

Lula: Pois é, é por isso que eu conversei com a Vale porque faz três anos que eu venho conversando isso com eles. O estado do Pará reclama o tempo inteiro, Minas Gerais reclama o tempo inteiro, o Espírito Santo reclama o tempo inteiro. A siderúrgica do Ceará não foi proposta por mim. Isso foi proposta em [19]92. Então, há condições de fazer? Há. Há mercado? Há. Temos tecnologia? Temos. Então, vamos fazer.

Valor: Presidente, só para tirar uma dúvida com relação... O senhor falou que quando se instala uma refinaria em um estado, ela traz toda uma rede de fornecedores. Isso está acontecendo em Pernambuco. Os italianos – esqueci o nome do grupo, acho que é MG – estão instalados no estado, em Porto de Galinhas, em Porto de Suape, a maior fábrica de Pet do mundo, e fizeram um acordo com a Petrobras em relação ao preço do nafta, que a Petrobras é fornecedora do nafta. A Petrobras agora não está querendo respeitar esse acordo, os italianos estão ameaçando, portanto, sair (incompreensível) investimento de US$ 1,5 bilhão e a Petrobras, “não, nós vamos fazer a fábrica”. O senhor está ao par desse assunto?

Lula: Deixa eu lhe contar uma coisa. Tem outros problemas que eu não posso dizer porque nós temos que resolver isso, sabe?

Valor: Só antes de passar para a política, eu queria fazer duas perguntas. Uma: o seu governo tem sido criticado por ter aumentado muito a folha de salários do setor público e o senhor falou em 100 bilhões de desoneração, mas não foi uma desoneração linear. Alguns se beneficiaram e outros não. O que é que pautou essa decisão? Se poderia, por exemplo, ter desonerado folha das empresas, que é uma medida que seria horizontal, todos se beneficiariam, e o senhor privilegiou resgatar ou aumentar o salário?

Lula: Veja, deixa eu lhe contar. Primeiro, porque a desoneração é baseada no nervosismo econômico, no aperto em determinados segmentos, e nós vamos fazendo as coisas de acordo a atender possíveis crises em setores que nós entendemos importantes para a economia brasileira. Então, a gente trabalha como se fosse um aparelho de medir pressão do coração. Ou seja, você vai vendo qual o setor que está precisando, você faz naquele, abre no outro... Veja, porque o Estado tem que ter força. Aqui no Brasil, durante os anos 80, se criou a ideia de Estado mínimo. O Estado mínimo não vale para nada, não vale para nada. O Estado tem que ter força para fazer as intervenções que nós fizemos agora nessa crise, com a compreensão do Congresso Nacional. Não pensem que foi fácil tomar a decisão de que o Banco do Brasil teria que comprar a Nossa Caixa, em São Paulo. Gente dizia: “O que o Presidente vai fazer, vai dar dinheiro para o Serra? O Serra é candidato”. Olha, eu não estou dando dinheiro para o Serra. Eu estou comprando um banco que tinha caixa, e para permitir que o Banco do Brasil pudesse ter mais capacidade de alavancar o crédito.

Quando eu fui comprar 50% do Banco Votorantim: “É, mas aí vai dar exploração”. Eu quero saber o seguinte: nós precisamos financiar o mercado de carro usado e o Banco do Brasil não tem expertise em carro usado, e então, o que nós vamos fazer? Mandar menino para fazer curso para poder aprender? Não. Nós vamos comprar 50% do Banco Votorantim, que tinha uma caderneta, uma carteira de carro usado de R$ 90 bilhões e vamos colocar o Banco do Brasil para entrar no mercado de carro usado.

Então, essas medidas, às vezes, só podem ser feitas se você tiver o Estado em condição de fazer. Eu, quando viajo...e vocês poderiam um dia me acompanhar para a América Central, para a América Latina...os Estados têm pouquíssima força, porque tem um que a carga tributária é 9%, tem outro que é 12%, tem outro que é 11%, ou seja, o Estado não tem nenhum poder de fazer nada. Eu acho que nós estamos construindo, no Brasil, nem esse Estado totalmente fragilizado, que não tem força, e nem o Estado europeu ou americano que acreditava que o mercado, por si só, resolveria. Vocês têm dimensão do que foi importante para o Brasil a gente ter o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Foi extremamente importante.

A Petrobras, no auge da crise, a Petrobras apresentou um estudo de que ela deveria mudar o cronograma dos investimentos dela de 2013 para 2017. Eu convoquei o Conselho da Petrobras aqui para dizer: esse momento é o momento em que a gente não pode recuar.

Valor: Eles queriam adiar?

Lula: É, eles queriam prorrogar para 2017. Aí eu disse: olhem, companheiros, esse é o momento em que a gente tem que avançar. Até no futebol a gente aprende que todo time que está ganhando de um a zero e recua, se ferra, não é isso?

Então esse é o momento de a gente avançar. No tempo do Pelé, o técnico Lula dizia – era o técnico Lula, do Santos – e dizia: “A melhor defesa é o ataque. Quanto mais a bola estiver no ataque adversário menos você tem chance de sofrer um gol”. Então, o que nós temos que fazer? Nesse momento nós temos que aumentar o PAC, nós temos que aumentar os investimentos da Petrobras, nós temos que facilitar e colocar mais dinheiro para crédito. Eu fui para a televisão fazer apologia do consumo, no dia 23 de dezembro, porque tinha uma lógica perversa a dizer que o povo não podia comprar porque se ele comprasse ele poderia perder o emprego e estava ferrado. E eu fui para dizer: não, você vai perder o emprego se você não comprar. Se você parar de comprar, o comércio não compra, a indústria não produz, você perdeu o seu emprego. Então, seja responsável, faça uma dívida que você possa pagar e compre. Isso só é possível...

Valor: Isso só é possível quando o Estado pode atuar.

Lula: Eu, nessa crise, quero dizer para vocês o seguinte: quem sustentou essa crise foi o governo e foi o povo pobre consumidor, a parte mais pobre, porque alguns setores empresariais brasileiros, e eu digo todo dia para eles, não é nenhum segredo, que eles pisaram no breque, talvez por orientação da matriz, talvez por orientação da matriz, de forma desnecessária, ou seja, aquele famoso cavalo de pau, que o Palocci dizia que a gente não podia dar na Economia, alguns setores empresariais deram, deram por puro medo, por pura incerteza.

Valor: Agora estão sofrendo com as importações, não é?

Lula: Por puro medo e por pura incerteza e nessas coisas, nessas coisas nós conversamos muito com os empresários, criamos um comitê de crise que funcionou de forma extraordinária, coordenado pelo Guido. Agora não vai ser mais comitê de crise, agora vai ser comitê de produção, de crescimento, de inovação tecnológica, porque esse, esse... eu estou com muito otimismo porque esse é o momento do Brasil, esse é o momento... se nós não fizermos as coisas certas agora, nós poderemos quebrar a cara, porque vocês se lembram que de 1950 a 1980, a economia brasileira foi a que mais cresceu no mundo e a gente não aproveitou para fazer as coisas que deveríamos ter feito, então agora nós temos que fazer.

Acho legal que as pessoas estão compreendendo que fazer com que o pobre seja menos pobre é bom para a Economia. Eles viram consumidores, eles vão para o shopping, eles compram coisas que até outro dia só setores da classe média tinham acesso. Todo mundo está aprendendo isso. Ontem, a dona do Magazine Luiza fez um discurso aí, que vocês deveriam ter visto.

Valor: O que ela disse?

Lula: Não, ela disse que os empresários brasileiros precisam se modernizar porque os empresários vêm aqui a minha sala e eles falam coisas, elogiam, falam bem das empresas deles, quando abre a porta e eles falam para a imprensa...

Valor: Choram...

Lula: Não, eles... não dizem aquilo que eles estão pensando. Eu acho, eu acho que o Brasil está vivendo esse momento, esse momento tão rico, tão maravilhoso... eu acho que é quase um momento mágico que nós estamos vivendo, sabendo que falta muita coisa para fazer, mas sabendo que o que tem à nossa frente não é mais a luz no fim do túnel, agora nós temos é uma cratera no fim do túnel, de possibilidades para o Brasil.

Valor: Só para encerrar esse capítulo de funcionalismo, Presidente.

Lula: Ah! eu não falei de funcionalismo... tanto que eu gosto de falar de funcionalismo.

Valor: Essa política de valorização do funcionário dificilmente vai ser mantida pelo seu sucessor, não tem como não ser...

Lula: Depende de quem seja...

Valor: Nenhum deles tem a ascendência sobre o movimento sindical que o senhor tem. O que vai ser feito para desarmar essa bomba-relógio, Presidente?

Lula: Deixa, deixa eu fazer uma pergunta para vocês. Assim, de coração... Vocês acham que o Estado brasileiro paga bem? Quanto é que vocês acham que ganha o Franklin Martins?

Valor: Ah, o Franklin ganha mal... Mas ele não é funcionário. Se ele fosse funcionário da AGU, ele ganharia bem...

Lula: Não, não... mas ele é o top. Não, veja, não vamos falar das instituições brasileiras que têm uma autonomia: Poder Judiciário, Poder Legislativo, cada um tem autonomia. Vamos falar da minha responsabilidade, que é a máquina pública brasileira. O Valor certamente paga a 90% dos seus jornalistas o dobro do que ganham os jornalistas aqui no meu governo. Não é o Valor, qualquer jornal paga. Jornalista top como vocês, ganham exatamente o dobro dos meus jornalistas top aqui.

Valor: Não funcionários?

Lula: Mesmo os funcionários. Os funcionários...

Valor: Presidente, não são as instituições?

Lula: Veja, mas as instituições, meu filho, você não constrói democracia se o Poder Executivo mandar nas instituições.

Valor: Não, mas eu digo nas instituições dentro do Executivo. Por exemplo, a Receita Federal não passa um ano sem fazer greve.

Lula: Quanto é que você acha que ganha um auditor por mês?

Valor: Ganha bem. Ganha mais do que o Franklin.

Lula: Não ganha bem. Sabe o que acontece? Você tem que medir o termômetro entre o valor de determinadas funções no mercado e dentro do governo. Eu lembro... eu vou contar para vocês uma coisa. Não sei se poderia colocar o nome, mas eu vou dar o nome: o Landin, quando era presidente da BR. O Landin – eu sempre achei que o pessoal da Petrobras ganhava muito – naquele tempo ganhava R$ 26 mil por mês. Isso faz quanto? Uns quatro anos. O Landin entrou na minha sala para falar: “Presidente, eu tive um convite de um empresário. Eu vou sair, estou com o coração partido” – ele estava realmente quase chorando – “mas eu não posso perder porque essa é a oportunidade da minha vida”. Então, ele deixa de ganhar R$ 26 mil por mês e vai ganhar 200 mil, com dois anos de pagamento adiantado. Então, quanto é que você pensa que vale um cara bom da Receita Federal no mercado? Um cara bom do Banco Central no mercado? Na verdade, o que garante as pessoas ficarem no Estado é a estabilidade, não é o salário.

Valor: Presidente, na verdade não são os benefícios? Previdência, Estabilidade e Previdência...

Lula: Os servidores públicos no Brasil, sinceramente, eles ainda não são pagos de acordo... em comparação com qualquer país do nível do Brasil no mundo.

Valor: Mesmo considerando a aposentadoria integral?

Lula: Agora, veja, nós demos muito reajuste para eles e contratamos muita gente. Porque uma coisa, Cláudia e companheiros, vocês têm que perceber o seguinte. Eu não sei quem foi que botou na cabeça de alguém que um dia governou este país que você podia desmontar a máquina, que o País funcionava. Eu não sei quem foi. Você veja uma coisa: vocês são jornalistas e sabem que faz pelo menos um ano que vocês não vêem mais uma notícia de fila na Previdência Social. Tinha jornal mais popular que vivia por conta da Previdência Social. Hoje você não vê mais. Radialista, então, de manhã era só...

Agora você não vê. Por quê? Porque quando foi desmontado, quando foi desmontado o sistema de perícia médica na Previdência Social e se privatizou, o que aconteceu, na verdade? Você ia ao médico, Cláudia, e você... o médico pedia para você um exame... para você procurar o oftalmologista. Então, você marcava... seis meses, oito meses, como se a doença pudesse esperar o médico.

Ora, o que nós fizemos? Quando nós criamos o 135 e quando nós contratamos mais de 3 mil peritos, hoje as pessoas demoram, no máximo, cinco dias para marcar uma perícia médica. Eu trabalhei na Previdência Social antes de... quando eu comecei no Sindicato. Eu demorava dois anos para aposentar um trabalhador. Dois anos. Era eu que pegava o papel do trabalhador, era eu que fazia a contagem. Aí, tinha uma fábrica que tinha fechado lá em Garanhuns. Toca eu ir para lá, para saber se tinha a fábrica. Hoje não. Hoje quem tem que dar a prova é o INSS... é a Previdência, não é mais o trabalhador. O ônus da prova é do governo, é do Instituto. Então hoje um trabalhador recebe na sua casa uma cartinha dizendo: “Cláudia, você já completou 36 anos de trabalho, a sua aposentadoria é de tanto. Se você quiser, pode vir se aposentar”. E em meia hora você sai com a tua aposentadoria pronta.

Isso, sabe por quê? Isso – só para terminar esse negócio do Estado – isso porque era necessário recuperar o Estado e dar motivação para as pessoas. Vocês sabem o que é se você estiver bem no emprego que você está, estiver motivada e se você não estiver motivada. Você sabe que a tua capacidade de produção diminui pela metade. Uma coisa é você acordar pela manhã e falar: “Hoje eu vou fazer uma entrevista...

Valor: Com o Presidente.

Lula: Com qualquer pessoa. “Porque eu estou bem, meu salário está bom eu estou bem no jornal”. Outra coisa é você levantar: “Meu salário é uma desgraça, eu ganho mal, ninguém reconhece o que eu faço, vou entrevistar aquele chato de galocha”. Você não produz. Então, a motivação é condição básica para você ter as pessoas bem no trabalho.

Educação. Ora, meu Deus do céu, como é que a gente vai deixar de contratar professores? Ontem... com a graça de Deus, eu vou passar para a história como o presidente que mais fez universidades neste país. Ontem nós completamos a 11ª. Ganhamos do Juscelino, que fez dez. Agora, teve governo que não fez nenhuma, teve governo que não fez nenhuma. E deve ter tido vários que não fizeram porque senão a gente não tinha tão poucas universidades federais, e ainda tem três no Congresso para serem aprovadas. Deus queira que aprove este ano para a gente fazer 14.

Mas, além das 14 universidades, serão 105 extensões universitárias por todo o território nacional e serão 214 escolas técnicas. Isso significa que você tem que contratar professor, você tem que contratar pesquisador, você precisa contratar pessoas para trabalhar... para fazer as escolas funcionarem, senão não tem jeito, não funciona.

Valor: O senhor acha que o Estado hoje está pronto?

Lula: Eu acho que a gente não deveria ficar preocupado em saber quanto o Estado gasta. Eu acho que a preocupação é se o Estado está cumprindo com as suas funções de bem tratar a população, e ainda falta muito para a gente chegar à perfeição.

Valor: Presidente, o senhor falou que essa é a oportunidade que nós não podemos perder e que é hora de tomar decisões certas. Para as eleições, nós estamos às vésperas de uma, nem sempre tem um ambiente para decisões certas. O senhor, em 2002, por exemplo, foi vítima de uma campanha de... o chamado risco Lula. Formou todo aquele ambiente na economia (incompreensível). Hoje se fala muito do risco Serra. Inclusive autoridades têm falado do risco Serra. Qual é a diferença entre Serra e Dilma?

Lula: Eu nunca ouvi falar em risco Serra, eu nunca ouvi falar. Estou ouvindo pela primeira vez essas palavras “risco Serra”. .

Eu posso falar de cátedra, porque eu tive o risco Lula em [19]89, eu tive o risco Lula em [19]94. Em [19]94 você sabe que eu tinha 43% no mês de março de [19]94 e o que eles fizeram? Diminuíram o mandato para cinco anos... para quatro anos e proibiram [de] mostrar imagens externas na televisão – as pessoas pensam que eu esqueço disso, mas também nunca viram eu me queixar – para evitar que eu mostrasse as Caravanas da Cidadania. Depois de percorrer 90 mil quilômetros neste país, eles resolveram cortar a imagem externa na televisão. Foi muito engraçado porque...

Valor: Foi a época em que começou o retratinho, diminuiu o tempo de campanha?

Lula: Não, era em um estudo a seco, a frio, não podia mostrar nada. E é muito engraçado porque só serviu para mim. Quando chegaram as eleições das prefeituras, revogou-se a lei e já pôde mostrar todas as imagens fora e diminuíram o mandato. Quando eles ganharam, eles então aprovaram a reeleição. Então essa coisa do risco Lula eu conheço bem, a dedo. Eu acho, eu espero que a minha vitória e que o meu governo sirvam de lição para essas pessoas que ficam dizendo: “Ah, porque o Lula era risco, agora o Serra é risco, a Dilma é risco, Marina é risco, Heloísa Helena é risco, Aécio é risco”. Isso é uma bobagem imensa. Isso é uma bobagem, uma cretinice política.

Valor: Por quê?

Lula: Porque qualquer pessoa que entrar aqui... É tão sério governar um país da magnitude do Brasil que ninguém que entrar aqui vai se meter a fazer bobagem. Quem fez bobagem não ficou. Isso aqui é muito sério. Se você levar em conta que você... Eu fui eleito pelo Partido dos Trabalhadores, mas vocês nunca me viram ter um comportamento como se eu fosse apenas do PT. Todo mundo sabe da minha afinidade com os trabalhadores, todo mundo sabe da minha preferência pelas pessoas mais pobres deste país. Entretanto, eu fui governante dos ricos também e tenho certeza de que eles estão muito satisfeitos porque ganharam muito dinheiro no meu governo, mais do que no governo deles. E o pobre também melhorou e precisa melhorar mais. Se a gente ficar dez, 15 anos com o pobre crescendo, vai chegar um dia em que nós vamos ter uma classe média sólida no Brasil que vai consumir, que vai comprar casa, que vai fazer um monte de coisa.

Então eu acho... Pode ficar certo de que eu serei inimigo se as pessoas ficarem falando do risco de qualquer candidato. Risco é se a gente não acreditar na democracia, esse é o risco. Então como é que pode um companheiro, uma companheira como a Dilma, como o Serra, como a Marina, como todos que têm história... E depois é o seguinte: sabe por que não tem risco? Porque se fizer bobagem, paga. Se fizer bobagem, paga. O povo é implacável. O mesmo povo que te aplaude no dia da posse é o povo que te achincalha uma semana depois se você fizer bobagem.

Então, você estando aqui, você pode ter visão diferente sobre determinadas coisas e é normal, mas todo mundo que vem para cá vai ter que pegar isso aqui com muita responsabilidade. E agora mais ainda, porque quem vier depois de mim tem outro paradigma. Vai ser porque, por exemplo, o pessoal vai perguntar: “Bom, em 100 anos toda a elite brasileira fez 140 escolas técnicas. Como é que esse torneiro mecânico faz 214? Então eu vou ter que fazer mais do que ele”. Então, na verdade, nós estamos criando um paradigma. Eu ontem estava contando para uns amigos, aqui, o seguinte: eu fui... conhece o Ceará? Eu fui a Maranguapinho, é um rio que tem lá e pega algumas cidades, e é um favelaço. Nós estamos colocando lá R$ 390 milhões na periferia de Fortaleza, em uma banda da periferia, para fazer saneamento básico. Eu fui a Roraima. Sabe quanto nós estamos colocando para fazer saneamento básico e dragagem em Roraima? R$ 496 milhões... Você sabe quanto que o Brasil inteiro gastou em 2002? O Brasil inteiro?

Valor: Em saneamento?

Lula: Em saneamento? 262 milhões. Então, nós estamos colocando em um bairro de Fortaleza o que foi colocado no Brasil inteiro. E por que é que tem que ser assim? Porque nós temos que ter um processo de reparação. Eu acho que... nós tivemos duas ou três décadas de governantes neste país, que foi exatamente no auge da crise brasileira que aumentaram as favelas no Rio, em São Paulo, em tudo quanto é lugar, a partir da década de 70. O que nós estamos fazendo é um investimento caro, mas se nós não... Vocês vão ter a oportunidade de visitar o Complexo do Alemão, Pavão-Pavãozinho, Manguinhos e Rocinha depois da intervenção que nós estamos fazendo lá. O que é? No fundo, no fundo é você criar as condições para que o Estado possa competir com o crime organizado e com o narcotráfico, não colocando a polícia para bater, mas colocando políticas públicas do governo municipal, do governo estadual e do governo federal para o povo perceber que existe...

Valor: Que há governo.

Lula: Que existe uma chance, que há governo e que ele tem oportunidade de seguir outro caminho.

Valor: O senhor diria que, pelo menos nos chamados três fundamentos básicos da economia, ninguém... nenhum presidente mexe porque eles foram testados, inclusive na crise? Os fundamentos, o chamado tripé: superávit primário, câmbio flutuante e regime de metas. O senhor diria que nesse tripé ninguém mexe porque já foi testado?

Lula: Não, mais ainda, mais ainda: o controle da inflação. Para mim, a inflação controlada é condição básica para que o resto dê certo porque na hora em que a inflação começar a crescer, tudo desanda. Na hora em que a inflação começar a crescer, os trabalhadores vão querer muito mais reajuste, os empresários vão querer muito mais reajuste, a economia vai querer muito... desanda. Então, você manter a inflação controlada, manter a economia crescendo, permitir o fortalecimento do crédito... Olha, vocês que são de um jornal econômico, se vocês pensarem... o Banco do Brasil sozinho hoje talvez tenha todo o crédito que o Brasil tinha em 2003. Se não estiver igual, está muito pouco. O Banco do Brasil sozinho tem quase a carteira de crédito que o Brasil tinha em 2003.

Valor: Eu não sei se isso é bom ou é ruim, Presidente, porque nos anos 90 nós vimos uma bandalheira nos bancos estaduais – eu não estou falando de banco federal –, teve aporte de capital também. Faliram quase todos.

Lula: Mas aí a culpa não é do banco. A culpa é da irresponsabilidade da classe política. Ora, se você vai dar banho na tua criança e a água está suja, você não vai jogar a criança fora. Teve alguns bancos privados que quebraram também. E veja agora nos Estados Unidos...

Valor: Foram todos...

Lula: Agora, por quê? Porque muitos governantes transformaram os bancos públicos dos seus estados em caixa 2 de campanha, emprestar dinheiro para amigos.

Valor: É.

Lula: Isso acabou, isso acabou. Então, eu acho, veja, que ninguém, ninguém – pode ser mulher, homem, negro, branco, petista ou não petista, tucano ou não tucano, pode ser qualquer um –, ninguém que entrar aqui vai ser bobo de mexer na estabilidade econômica, de permitir que volte a inflação. Ninguém, ninguém. Ninguém, porque se isso acontecer, o mandato é só de quatro anos.

Jornalista: A ministra Dilma tem pouco carisma, não tem trânsito no PT, não tem trânsito no Congresso e não tem experiência eleitoral. A capacidade administrativa da ministra Dilma Roussef e a confiança que o senhor tem nela são suficientes para fazer dela uma candidata?

Lula: Quantos políticos têm carisma no Brasil? Se dependesse de carisma, Fernando Henrique Cardoso não seria presidente. Se dependesse de carisma, José Serra não poderia nem ser candidato. Vamos devagar... carisma é uma coisa nata, que nasce dentro das pessoas. Elas podem aperfeiçoar ou não. Obviamente, que sempre é bom você ter um pouco de carisma, sempre é bom. O Jânio Quadros tinha carisma... ficou só seis meses aqui.

Eu estou dizendo que [para] governar este País é preciso um conjunto de qualidades. Primeira qualidade é ganhar as eleições, e aí você tem que ter muita humildade, muita determinação do projeto que você vai apresentar, você tem que provar que você é capaz de gerenciar e eu sinceramente não conheço ninguém hoje, por oito anos de convivência, que tenha a capacidade gerencial da Dilma, e às vezes falam: “ela é dura”. Mas é que a mulher tem que ser mais dura mesmo, a mulher, a mulher, tem que ser mais dura porque em uma discussão política quando você estiver no meio de 30 ou 40 homens, você sempre está ressabiada de que... isso vale para vocês jornalistas, vale para todo mundo.

Agora, a Dilma é muito competente, ela é muito competente. Obviamente... Vejam, outro dia eu disse para um jornal argentino: Feliz do país que vai ter uma disputa que pode ter Dilma e Serra, que pode ter Dilma, Serra, Marina, que pode ter Dilma, Aécio... porque o que houve no Brasil foi um avanço qualitativo das disputas eleitorais. O Fernando Henrique Cardoso e eu já foi um avanço extraordinário. Então, vejam, é bom para o Brasil que você não tenha uma pessoa avançada com um troglodita, como sempre foi. O que é importante é que eu fico olhando e não tem nenhum candidato de direita. Isso é uma conquista do Brasil exuberante, extraordinária... que todos nós participamos dela. Obviamente, que o Serra tem discordância da Dilma, a Dilma tem discordância do Serra, mas ninguém pode acusar um ou outro de que não foram democratas, de que não lutaram.

Valor: Tem alguma diferença programática entre os dois?

Lula: Não, vai ter, vai ter diferença programática..., se fizer igual...o povo vai escolher por beleza. Deixa eu lhe contar uma coisa...Eu não sei se serão só os dois, não sei se é o Serra, se é o Aécio, mas são, são candidatos de qualidade. Agora, também tem uma coisa importante. Todos vocês...

Valor: Talvez a marca possa ser “privatiza ou não privatiza”, essa é uma diferença? Aliás, Presidente, por que o senhor é sempre contra a privatização?

Lula: Porque eu acho que tudo aquilo que não é de interesse estratégico do país pode ser privatizado. Agora, tudo aquilo que é de interesse estratégico do país, o Estado pode fazer o que fez com o Banco do Brasil, pode fazer o que fez com a Petrobras, não tem nenhum problema.

Valor: A Infraero, por exemplo...

Lula: Não, não, o Guido foi determinado a fazer um estudo sobre a Infraero para ver o que a gente faz com a Infraero. Se ela vira uma empresa de economia mista... porque o que interessa para nós é que as coisas funcionem corretamente. Eu falei para o Jobim estudar o processo de concessão de um outro aeroporto para a gente poder ver... ter um termômetro de medir a qualidade de funcionamento do aeroporto. O que é estratégico no aeroporto é o controle do espaço aéreo, não é ficar pegando passaporte de passageiro. Então, essas coisas...

Valor: Então o senhor não é contra a privatização por princípio pelo visto...

Lula: Nada por princípio, minha filha. Eu sou muito prático. Entre o meu princípio e o bom serviço prestado à população, eu fico com o bom serviço prestado à população, e acho que o Estado tem competência de... gerencial de se montar estrutura profissional de fazer as coisas com muito mais eficácia. É que no Brasil, de vez em quando a gente começa essas discussões e vira uma ideologização de dois pés na parede. Ou é 100% um ou é 100% outro, quando entre cem e zero tem um caminho enorme a ser percorrido. Eu acho que o Brasil hoje tem consolidadas algumas coisas importantes. As nossas instituições estão sólidas, os nossos bancos estão funcionando bem, as empresas...

Valor: Só uma pergunta, já que o senhor tocou em banco. Vão funcionar bem com juros baixos?

Lula: Tem que funcionar. Quando eu era dirigente sindical e depois que eu deixei o Sindicato, eu dizia: nós, trabalhadores, teremos dificuldade de viver com inflação baixa. Os trabalhadores, não. Os dirigentes sindicais. Por quê? Porque nós estávamos habituados a pedir 100%, 150[%], 180[%]. Na hora em que vai pedir 2[%]... As pessoas perderam a noção de que se você tiver 1,5% de aumento real todos os anos, você está tendo um baita aumento. É que no Brasil, culturalmente, a gente está pedindo 100, 80, 90, 40, 50.

Então, eu acho que os bancos brasileiros, não demorará muito, estarão enquadrados na política de juros internacional, e essas coisas você não faz por decreto, você não faz... Essas coisas, você vai criando as condições. A cada momento... Isso é como arrumar uma namorada: você fica vendo a moça, a moça fica vendo o rapaz, um olha para o outro, passa. Num primeiro momento, eles nem se gostam, daqui a pouco estão juntos.

Os juros, veja, os juros vão cair, vão continuar caindo, todo mundo sabe que vão continuar caindo. O spread bancário tem que cair, os bancos têm que ter mais disputa entre si, porque senão... Eu lembro da discussão quando eu propus a criação do crédito consignado. Este país não estava habituado a emprestar dinheiro para pobre. Falavam: “Não, não vai dar certo. Vai ter calote”. Eu falava: não, vamos dar a folha de pagamento como garantia. Há algo mais sagrado do que a folha de pagamento para dar garantia? Foi um sucesso extraordinário. Hoje nós temos mais de 90 bilhões no crédito consignado.

Valor: O Raimundo estranhou que o senhor não falou do Ciro...

Lula: Pode falar do Ciro também. O Ciro é um extraordinário candidato.

Valor: O senhor acha que ele vai ser candidato?

Lula: Estava pensando que ele não ia ser candidato. Mas, de qualquer forma, o PSB tem autonomia para lançar o Ciro candidato e o Ciro sempre será um bom candidato.

Valor: E em São Paulo, quem é melhor, Ciro ou Palocci?

Lula: Não sei, querida. Veja, eu não posso responder pelas coisas dos partidos. Isso vai ser construído.

Valor: O senhor é o Presidente mais popular na história do País, nas pesquisas. No entanto, o Congresso está desmoralizado nesta legislatura, não? No que o senhor acha que o PT fracassou na condução deste Congresso?

Lula: Primeiro, você há de convir que a democracia no Brasil funciona com muito mais dinamismo do que em qualquer outro país do mundo. Nos Estados Unidos, o Obama tem que se publicar com os republicanos e com os democratas e só. E já está difícil. Agora, aqui no Brasil o PT, que elegeu o Lula, eleito presidente por um partido político, tem 81 deputados eleitos, de 513. Você percebe que aqui precisa dançar mais flamenco do que em qualquer país do mundo, você tem que ter mais jogo de cintura. No Senado eu tenho 12 senadores de 81. Exercitar a democracia, convencer as pessoas, trabalhar com as pessoas é sempre mais difícil. Ulysses Guimarães dizia uma coisa que é verdadeira: “Toda vez que se começa a achincalhar o Congresso Nacional o que vem depois termina sendo pior”.

Porque a negação da política não coloca gente melhor lá, não coloca. Que Deus o tenha. Mas você deixa de eleger um Delfim Netto para deputado e elege um Clodovil. Cada um tem sua importância, cada um tem o seu valor. Mas obviamente que para o Congresso Nacional o Delfim teria sido muito melhor – apenas um exemplo. Então, eu às vezes me assusto com a negação da política. A negação da política... O Congresso Nacional é a única instituição que é julgada coletivamente, ou seja, se não deu sessão você fala: “Deputados vagabundos não trabalham”. Agora, você nunca cita os que estiveram lá de plantão, o tempo inteiro.

Eu, quando era constituinte, eu ficava doido porque a gente ficava trabalhando até 2 horas da manhã, 3 horas da manhã. Você está lembrado. O Ulysses ficava uma semana sem votar, quando começava a votar, aquilo varava a noite votando. No outro dia você pegava o jornal: “Sessão não deu quorum porque deputados não foram trabalhar”. Mas tinham lá 200 em pé. Naquele tempo podia fumar, um fumaceiro desgraçado. Então, eu acho que nós precisávamos aprender a valorizar a política. Se a gente valorizar a política, a gente tem chance de ver político de melhor qualidade assumindo cargos importantes.

Eu, toda vez que vou a um debate com estudantes, agora em inauguração de escola, eu falo isso: se vocês não gostam de política, acham que todo político é ladrão, que todo político não presta, não renunciem à política. Entrem vocês na política, porque quem sabe o político perfeito que vocês querem está dentro de vocês.

Valor: Presidente, o senhor falou que o Brasil deve comemorar o fato de não ter candidato de direita nessa sucessão de 2010. Agora, os dois principais partidos nessa sucessão não sobrevivem sem os seus aliados de direita. Por que depois de tantas tentativas de aproximar PT e PSDB isso nunca deu certo no Brasil?

Lula: Porque na verdade nós somos os principais adversários.

Valor: Mas não programáticos. Não de idéias, ou é?

Lula: A verdade é que nós somos os principais adversários.

Valor: Em São Paulo?

Lula: Em São Paulo e em outros lugares. Há uma disputa. O PSDB disputa com o PT e o PT disputa com o PSDB. Eu acho que hoje é muito mais a disputa por espaço político nas cidades, nos estados, porque quem ganhar neste País tem que compor com o que tem no Congresso Nacional.

Valor: Mas da maneira como se faz ...se o orçamento, por exemplo, fosse uma coisa mais ou menos, menos flexível demais, não seria melhor...

Lula: Se você fosse eleita presidente, o que você faria? Se você fosse eleita presidente, o que você faria?

Valor: Eu? Ah, Presidente eu nunca pensei nisso. Vou considerar essa pergunta...

Lula: Considere, pense e me dê uma resposta. Quando você manda um projeto, qualquer que seja para lá, ele vai cair na mão dos partidos que estão lá, dos políticos que estão lá, dos deputados, dos senadores. Não existe possibilidade de você escolher os que você gostaria de ter e colocar lá. É com aqueles que você tem que trabalhar e é isso que engrandece a democracia, é isso que você engrandece a democracia.

Valor: Mas é impossível uma aliança do PT com o PSDB. O senhor acha impossível?

Lula: Ah, eu acho impossível. Eu acho impossível agora, eu acho...

Valor: O senhor já achou possível?

Lula: Acho possível. Agora esse é um processo de construção que pode levar tempo. Mas hoje eu diria que é impossível você imaginar uma aliança PT e PSDB.

Valor: Você falou, Presidente, nesse estudo, o Presidente precisa do Congresso. Qual é no momento a sua relação, sobretudo depois que a oposição, sobretudo depois que foi criada a CPI da Petrobras, no momento em que se discute o marco regulatório do pré-sal? O senhor mantém... a relação piorou com a oposição? Porque a oposição sempre teve canais com o governo.

Lula: Essa oposição teve menos canal com o governo. Certamente o DEM e o PSDB pouco quiseram construir com o governo, pouco, ou seja, possivelmente quando eles estavam no governo também, o PT construiu pouca possibilidade.

Agora, veja, deixa eu contar uma coisa. O pré-sal, tal como ele foi mandado, ele é uma coisa minha, ele não é uma coisa deste governo. Eu tenho consultado muita gente. O trabalho que nós fizemos foi um trabalho, sem falsa modéstia, digno de respeito, tanto é que o Serra concorda com o modelo.

O Congresso tem liberdade para mudar o que entender que deva mudar. O que eu acho é que a cabeça de quem for trabalhar naquele projeto tem que trabalhar com a cabeça no futuro. O pré-sal, na verdade, deveria se chamar pré-futuro. O pré-sal é a maior chance que o Brasil tem desde que ele foi descoberto de se transformar em uma grande nação, rica e justa socialmente. É isso que as pessoas têm que pensar. Não dá para pensar pequeno.

Valor: A oposição disse que o governo tem urgência para usá-lo de forma eleitoreira. É isso? A urgência, a urgência é exatamente por quê?

Lula: É porque nós precisamos aprovar o mais rápido possível para a gente dizer ao mundo o que está aprovado e começar a trabalhar. Eu acho engraçado a oposição dizer isso. A oposição votou, em seis meses, cinco emendas constitucionais do Fernando Henrique Cardoso. Agora eles decidem se querem boicotar, se querem – como se chama o recurso que existe lá? – obstruir, eles que façam, decidam, façam o que quiserem, eu quero votar.

Valor: O senhor vota com urgência, no caso de necessidade?

Lula: Depende, eu tenho um pedido do presidente Temer, que me fez refletir. Nós vamos votar no dia 10 de novembro, isso me garante.

Valor: Conta para a gente...

Lula: Recorde dos recordes. Caged de agosto: 242 mil empregos novos criados.

Então, o pré-sal... Eu termino meu mandato daqui a um ano, gente. Daqui a um ano eu sou ex-presidente. Ex-presidente, nem vento bate nas costas. Daqui... quando eu deixar a Presidência, daqui a seis meses, eu passarei por vocês e vocês nem me conhecerão. Não é para mim que está fazendo o pré-sal, o pré-sal é para este país.

Valor: Presidente tem isso. Presidente dá um trabalho danado

Lula: Quando não sabe se comportar.

Valor: O que o senhor vai fazer, Presidente?

Lula: Eu não sei o que vou fazer, eu não sei o que vou fazer. Mas a única coisa que tenho convicção é que não vou importunar quem for eleito, isso você pode ficar tranquilo.

Valor: E esse instituto que o senhor pensou em fazer?

Lula: Não, não pensei em fazer nada ainda. Se alguém falou para você, mentiu...

Valor: O presidente Obama...

Lula: Eu não pensei nada ainda. Não pensei absolutamente nada, não pensei nada ainda. Não, eu nunca falei em instituto porque eu nem sei se vai dar certo ou não.

Eu gostaria de utilizar tudo que aprendi na Presidência do Brasil para ajudar tanto a América Latina quanto a África a fazerem política social. Eu acho que o acumulo que nós temos no Brasil é muito, muito importante. Agora, eu preciso saber se primeiro eles querem, porque de palpiteiro todo mundo está cansado. Segundo, eu só posso fazer se eles quiserem. Mas aí eu tenho tempo, eu não quero me preocupar com isso porque eu tenho um ano e quatro meses que será o um ano e quatro meses mais trabalhoso da minha vida.

Valor: Todo mundo tem medo do senhor voltar em 2014.

Lula: Bem, eu acho que deveriam ter alegria se eu voltasse, medo não é mais a palavra. Veja, eu não trabalho com essa hipótese, eu acho que na política a gente tem que ter sempre o bom senso. Vamos supor que a Dilma seja eleita presidente da República. Não é direito dela querer ser candidata? Não é direito?

Valor: Novamente? Candidata já é.Mas se ela perder a eleição o senhor não vai se sentir obrigado... mais uma demanda do próprio PT para que o senhor se lance?

Lula: Não, veja, eu vou trabalhar para o povo votar favorável, mas se o povo votar contra eu vou ter o mesmo respeito que eu tenho pelo povo se votasse favorável. Se ela for eleita, ela tem todo o direito de chegar em 2014 e falar: “Eu quero a reeleição”.

Valor: Pois é, mas se ela não for eleita, Presidente? O senhor não vai se sentir no dever... Muda, o cenário não é outro?

Lula: Eu não trabalho com essa hipótese, mas obviamente que se não acontecer o que eu penso que deve acontecer, obviamente que a história política pode ter outro rumo.

Valor: Presidente, tem uma pergunta que é meio complexa, mas eu não posso deixar de fazer. Parece que está consolidada a percepção de que no Brasil teremos taxa de câmbio apreciada nos próximos cinco, dez ou 15... Porque como o País mudou de patamar vai ser assim. O câmbio não vai voltar a ser quatro, três, dois e meio. Isso muda a concepção de país que você tem à frente. Pelo modelo do pré-sal e por toda a questão de ter uma indústria nacional forte, fica “meio” um drama, porque os países que têm câmbio valorizado acabam ou se desindustrializando por alguma razão ou se especializando em serviços. Como é que se lida... eu acho que ainda se chora muito, que é medida pra cá, que não sei o que para lá, para mexer com câmbio, mas é uma questão estrutural resolvida. O senhor teme a desindustrialização?

Lula: Não, pelo contrário, todo nosso objetivo é industrializar o máximo possível o Brasil. Eu acho que o Palocci disse uma frase que é uma frase antológica – simples e antológica: “O problema do câmbio flutuante é que ele flutua, e ele flutua para baixo e flutua para cima”. Obviamente que nós já estamos discutindo isso. Obviamente que nós trabalhamos com a hipótese de que vão entrar muitos dólares no Brasil. Com o Brasil como um país em expansão, vão entrar muitos dólares no Brasil e nós precisamos trabalhar isso com carinho. Em contrapartida, nós também estamos avançando nas discussões de fazer trocas comerciais nas moedas dos países. Eu não preciso do dólar para fazer comércio com a China; eu não preciso do dólar para fazer comércio com a Índia; eu não preciso do dólar para fazer comércio com a Rússia; nós podemos fazer em nossas moedas, com as garantias dos Bancos Centrais. Essa é uma coisa nova que nós já começamos a discutir.

Na última reunião dos Brics foi constituído um grupo de trabalho para pensar a construção de você não precisar comprar dólar para fazer o seu comércio. Você faz na moeda normal. Eu não tenho o hábito, não faz parte do meu jeito fazer política, de ter medo antecipado. Na hora em que o problema vai acontecendo, nós vamos medindo e vamos tomando decisões.

Valor: Mas não lhe parece que esse é um assunto resolvido? Queremos... Seremos um país com moeda apreciada assim.

Lula: Obviamente, ela pode ser apreciada e ela pode ser apreciada a ponto de não atrapalhar a economia do país. E nós vamos tomando medidas na medida em que as coisas venham se apresentando para nós. Não é possível você tratar a economia com o teoricismo de que você acha que você hoje pode tomar uma decisão para evitar que uma coisa aconteça daqui dez anos. Não é possível e essa crise econômica mundial mostrou isso. Tanta gente que deu palpite sobre o Brasil, tanta gente que sabia como consertar a Bolívia, sabia como consertar o Brasil, o México, não souberam como consertar o seu quintal. Essa é a mais pura verdade. E hoje já é unanimidade mundial que o Brasil foi o país mais preparado para enfrentar isso. Nunca tivemos nenhum problema econômico, aqui não tem pane. Desde o começo eu dizia: aqui não existirá pane econômica, porque não tem mágica. Cada vez que tinha uma crise, vinha um, apresentava um plano, quebrava. Os bancos hoje estão sendo processados no Supremo Tribunal Federal por uma dívida de mais de R$ 150 bilhões, por causa do Plano Bresser e do Plano Verão.

Valor: O governo vai ajudar?

Lula: A pergunta que eu faço é a seguinte... Não é que o governo vai ajudar, o governo é o responsável. Porque foi o governo que fez a lei, eles cumpriram a lei. Se eles perderem, sabe o que vai acontecer?

Valor: Conta para o Tesouro.

Lula: Eles vão acionar a União. Ora, obviamente que é isso. E quem fez os Planos está dando palpite nas economias. Esse é um dado. Então eu peço a Deus que eu não deixe nenhum esqueleto para os meus sucessores. É por isso que eu sou mais tranquilo para tomar as decisões, mais meticuloso para fazer as coisas... Você fica imaginando: quando eu não estiver mais na Presidência, estarei lá em São Bernardo, o que um ex-presidente pode esperar de um país? Que quem entre faça mais do que ele. Porque é isso que vai fazer o Brasil ir para a frente. Somente uma figura medíocre é capaz de torcer para um cara não dar certo. Que, quando não dá certo, eu nunca vi nenhum político ter prejuízo. Ele pode perder a eleição, mas não tem prejuízo. Agora, o povo pobre paga a conta, certamente, se a política não der certo.

Eu acho que o grande momento, Cláudio, agora, que vai acontecer no Brasil, é que essa campanha deverá ser uma campanha muito madura em que vai se discutir o futuro. Essa vai ser a campanha que vai dar oportunidade aos candidatos de discutirem simplesmente o futuro. Cada um vai prestar conta do presente, do que fez, mas no fundo, no fundo, a grande mensagem é o que vai acontecer nesse país nos próximos anos.

Valor: Qual vai ser então o discurso da sua candidata?

Lula: Mas aí vamos deixar a candidata construir, pô. Se eu tiver que construir... Não vou ser eu quem vai construir.

Eu acho o seguinte: como, o que eram as campanhas passadas? “Quem vai controlar a inflação, o salário mínimo de US$ 100”, não era isso? Isso acabou. Não se fala mais em FMI, não se fala mais em salário mínimo de US$ 100, não se fala mais em inflação, acabou. Então, agora...

Valor: No FMI o senhor vai falar.

Lula: Eu?

Valor: Vai acompanhar. A candidata vai falar...

Lula: Não, não, vou falar porque agora nós somos credores do FMI.
Então, o que eu acho? Quais são os próximos passos? Eu, ainda este ano, vou apresentar uma proposta de governo sobre inclusão digital. Ainda este ano. Ainda este ano eu vou apresentar uma proposta consolidando todas as políticas sociais do governo, todas.

Valor: Consolidação das políticas?

Presidente: Consolidar.

Valor: Isso significa o quê?

Lula: Significa que você vai ter uma lei... Vai legalizar tudo. Você vai ter uma lei em que vai ser como a Consolidação das Leis do Trabalho, não teve essa? Teve até consolidação das políticas públicas que o governo está fazendo hoje. Isso é para sustentar o avanço conquistado. Tudo o que foi feito, até as conferências nacionais...

Valor: O senhor vai legalizar?

Lula: Até... Nós vamos legalizar as conferências. Porque nós só tínhamos uma legalizada, que era a da Saúde, está lembrado?

Valor: Mas vocês não conseguiram nem terminar de consolidar a política nacional de valorização do salário mínimo, Presidente...

Lula Não, mas se não está tramitada no Congresso Nacional, a culpa não é minha. Eu mandei já faz um ano e meio.

Valor: E essa proposta?

Lula: O momento mais bonito, está da metade para o fim. Nós queremos consolidar as coisas todas. Acho que o salário mínimo hoje já provou... Você está lembrado, eu sou de um tempo de dirigente sindical que quando a gente falava de aumento de salário mínimo as pessoas já falavam em inflação. Nós já demos, desde que eu cheguei aqui, 67% de aumento real e ninguém fala em inflação. O que nós mandamos é uma coisa bonita, o que nós mandamos é: reposição da inflação, mais o crescimento do PIB de dois anos atrás.

O que isso significa de bilhões no mercado é uma coisa extraordinária. Então, eu quero consolidar isso porque eu acho que o Brasil tem que mudar de patamar, ele tem que mudar de patamar. Então, eu sempre disse que a coisa mais bonita quando você deixar o governo é você poder garantir que mudou a relação entre Estado e sociedade, entre o governo e o povo. E aí você tem que consolidar as instâncias de discussão dos problemas.

Valor: Eu queria só fazer uma pergunta desse negócio de consolidar as políticas sociais, porque hoje você vê que o cadastro feito no Bolsa Família é um cadastro que conseguiu chegar, efetivamente, ao pobre. Por que o senhor não poderia jogar todas as políticas sociais universalizando esse cadastro?

Lula: Quem sabe, quem sabe, esteja no projeto da consolidação...
Eu vou ter, quando eu voltar dessa viagem, uma reunião com todos os ministros da área social e vamos começar a trabalhar para a gente apresentar.

Valor: O senhor vai pedir urgência?

Lula Não, não precisa pedir urgência. Isso é bom debater no ano eleitoral...

Valor: O senhor falou duas coisas: a inclusão digital e a consolidação.

Lula: A inclusão digital eu quero mandar agora. Eu quero mandar, também, esse ano ainda.

Valor: O que é esse projeto, Presidente?

Lula: É integrar este país inteirinho com fibras óticas. Não é só para a Copa do Mundo, é porque o Brasil precisa disso. Então, nós estamos aí com vários Ministérios, eu dei 45 dias de prazo ontem para que eles me apresentem uma proposta de integração de todo o sistema de fibra ótica no Brasil.

Valor: Como é que o governo entra? Desculpe, eu queria só entender.

Lula: Deixe-me apresentar o projeto, senão começam a brigar antes de eu apresentar o projeto.

Valor: Além dessas duas coisas, o senhor teria mais coisas? Lei de greve, nem pensar?

Lula: Não, veja, estamos tão bem de greve...

Valor: Não, eu estou querendo saber um pouco mais...

Lula: Nós vamos apresentar também, eu vou fazer uma proposta de um novo PAC para 2011/2015.

Valor: Mas isso o senhor vai apresentar agora ou no ano que vem?

Lula: No ano que vem, mais ou menos em janeiro ou em fevereiro. Por que eu tenho que apresentar? Porque nós precisamos colocar no orçamento de 2011, já, dinheiro para a Copa do Mundo, sobretudo para a questão de mobilização urbana. E se a gente ganhar a Olimpíada, já tem que ter uma coisa mais poderosa nisso.

Nnós começamos a fazer ferrovias, fazer a Norte-Sul e a Transnordestina. Agora, nós descobrimos que é importante fazer a ligação ferroviária de Ilhéus, na Bahia, passando por Barreiras, chegando ao Tocantins, e estender a ferrovia Norte-Sul até Estrela do Oeste, em São Paulo. Aí você vai ligar o país inteiro, e um vagão pode sair do Porto de Itaqui e ir até Santos sem ter problema nenhum. E tudo isso é projeto que pode ser concluído nos próximos quatro anos.

Valor: A desoneração não está mais na sua lista de projetos?

Lula: Não. A desoneração é da responsabilidade do Ministério da Fazenda.

Valor: Presidente, com relação à França. A França se tornou nosso parceiro prioritário, estratégico?

Lula: Eu não sei por que não pensaram nisso antes. A França é o único país europeu que faz fronteira com o Brasil, são 700 quilômetros de fronteira.

Valor: Isso afasta o Brasil dos Estados Unidos?

Lula: Isso é uma vantagem comparativa da relação da França com o Brasil. Não, não. Não afasta. Nós sempre teremos uma belíssima reunião [relação] com os Estados Unidos, sempre teremos uma belíssima relação com a Europa. Agora, veja, nós temos parceria estratégica com a França, nós temos parceria estratégica com os Estados Unidos, nós temos parceria estratégica com a Alemanha, temos parceria estratégica com a União Europeia. Mas isso não atrapalha que a gente tenha relações bilaterais estratégicas com outros países. Eu acho, e tenho dito isso ao presidente Obama, que os Estados Unidos precisam mudar o olhar para a América Latina. É preciso ter um olhar para a América Latina mais produtivo, mais desenvolvimentista. Não existe mais possibilidade de luta armada aqui. O que nós temos são as Farc, que estão há 40 anos aí. Mas a América Latina aprendeu a fazer democracia.

Valor: E mudou isso, não é, Presidente?

Lula: Eu acho que ainda tem muito para mudar, e acho importante que os Estados Unidos tenham essa mudança. Eu acho que deveria ser o Obama, porque o Obama é o diferente nos Estados Unidos, hoje, e ele não pode perder essa oportunidade histórica. Por ser diferente, fazer as coisas diferentes.

Valor: Mas na questão das bases, ali, não mostrou nenhuma diferença.

Lula: Veja, não mostrou. Mas nós já cobramos dele que nós queremos garantias no contrato, garantias de direito internacional que se não cumprir apenas o que eles dizem, teoricamente, que é apenas dentro do território da Colômbia, qualquer país tem o direito de acionar. Como eu sou um homem que acredita na democracia e nas conversas, eu tenho certeza de que nós vamos nos colocar de acordo com os Estados Unidos. O Obama é uma grande chance. Eu tenho a convicção de que o Obama é a grande oportunidade que nós temos de estreitar muito as nossas relações com os Estados Unidos, dos Estados Unidos com a América do Sul, dos Estados Unidos com a África. Eu tenho pedido para o Obama: Olha, companheiro, vamos para a África, porra. Lá... Agora, precisamos resolver o negócio do Iraque, o negócio do Afeganistão...

Valor: Presidente, o Henrique Meirelles já confidenciou ao senhor a que partido ele vai se filiar?

Lula:Não, rapaz. Eu, na verdade, você quer saber...

Valor: Conta para a gente em off, aqui.

Lula: Não, eu não vou contar em off.

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