sexta-feira, 23 de abril de 2010

O Brasil não tem dono... eles venderam tudo


Publicado em: Gazeta Mercantil (Nacional) em 5 de Julho de 1996

Uma negociação para modernizar o Estado Paulista

Por Fernando Dantas - de São Paulo


Governo pretende encolher a máquina e privatizar

O governo Mário Covas está preparando uma grande "reforma institucional", que vai mudar completa-mente a face da administração paulista. Um grupo de trabalho, formado por alguns dos principais secretários de Estado de Covas, está levando adiante a discussão, liderada pelo secretário de Governo e Gestão Estratégica, Antonio Angarita. A idéia é reduzir drasticamente o número de secretarias de governo, atualmente 22, e criar um "Grande Gabinete", com atribuições hoje dispersas por várias secretarias. Além disso, pretende-se extinguir, fundir, reestruturar, municipalizar e "devolver à sociedade" empresas, autarquias e fundações pertencentes ao estado. Para viabilizar uma vigorosa expansão da rede de metrô, o estado faria contratos de concessão para que o serviço fosse explorado em parceria com município e setor privado. Uma das propostas é que fundações como a Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), TV Cultura e Fundação Seade (análise de dados), entre outras, não tenham mais verba própria garantida no Orçamento, a partir de 1997, e recebam por serviços prestados ao governo. A proposta acima não inclui a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os debates dentro do governo paulista estão sendo feitos em cima de um projeto básico, a que teve acesso este jornal. Este projeto não é definitivo e vai exigir uma delicada costura política. Segundo uma fonte próxima ao governo paulista, é improvável que qualquer medida concreta da reforma institucional seja tomada antes das eleições municipais. Uma das informações que mais chamam a atenção no projeto é a intenção explícita e por escrito do governo de São Paulo de federalizar o Banespa e as empresas do grupo Banespa. A informação vem acompanhada de uma significativa ressalva: "Dependendo de negociações". Algumas idéias que constam do projeto são a extinção da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.); a transferência do ensino de primeiro grau para os municípios; a municipalização da Saúde ou a transferência da sua execução para organizações sociais; o fim da atuação do Estado na função de esportes (passando à um papel basicamente de estímulo); a incorporação da Companhia de Seguros do Estado de São Paulo (Cosesp) à Nossa Caixa; a redução de quadros do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), quando houver alterações na estabilidade do servidor; ao extinção, a médio prazo, da Febem, e a transferência do Zoológico de São Paulo para o Município, entre outras. O projeto básico transforma as atuais 22 secretárias de Estado de São Paulo em catorze, em uma primeira versão, e em treze, numa segunda. Esta redução do primeiro escalão do governo paulista se dá basicamente através de fusões das antigas secretarias. As secretarias de Energia e de Transportes, por exemplo, se fundem na Secretaria da Infra-estrutura. As secretarias de Habitação, de Transportes Metropolitanos e de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras se fundem na Secretaria de Desenvolvimento Urbano. A parte de Recursos Hídricos, porém, se fundiria à Secretaria do Meio Ambiente, para formar a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Estes são apenas alguns exemplos das várias fusões previstas pelo projeto (ver reportagem). As dez secretarias normais que surgem do novo projeto são as já mencionadas acima e as secretarias de Justiça, Cidadania e Assuntos Penitenciários; de Segurança; de Educação; de Desenvolvimento Econômico e Regional; da Saúde; da Fazenda; e da Criança, Seguridade e Reintegração Social. Além destas, haverá três ou quatro novas secretarias - dependendo da versão do projeto básico - que serão "extraordinárias". Segundo o projeto, a atuação das secretarias extraordinárias "permeia matricialmente todas as demais". Em uma primeira versão, de abril deste ano, as secretarias extraordinárias são as do Emprego, da Comunicação, da Cultura da Ciência e Tecnologia e de Ativos e Dívidas. Esta última é a única secretaria inteiramente nova que o projeto de reforma institucional está criando. Numa segunda versão, de maio, não consta a Secretaria da Comunicação, que estaria absorvida no Grande Gabinete. Afora as treze secretarias, há o "Grande Gabinete do Governador"', que é uma fusão das atuais secretarias do Governo e Gestão Estratégica, do Planejamento e Orçamento, da Administração e Modernização do Serviço Público, e da Casa Civil. São fundidos também no Grande Gabinete a Casa Militar, a Procuradoria Geral do Estado e a comunicação do governo. O objetivo do Grande Gabinete, segundo o projeto, é o reforço da capacidade de execução, coordenação e monitoramento das ações de governo. A reforma institucional não se limita ao secretariado, mas envolve profundamente as empresas, autarquias e fundações do Estado de São Paulo. Um dos principais exemplos é a extinção da Dersa. Um Departamento de Estradas de Rodagem (DER) reformulado, funcionando como uma "authority" de estilo americano - isto é, só com funções de regulação e supervisão -, substituiria a médio prazo os atuais DER, DERSA e o Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (DAESP). O processo de reforma administrativa de São Paulo está sendo conduzido com a maior discrição possível dentro ao governo. "Nós estamos evitando qualquer notícia antes de o projeto estar fechado; só vamos divulgar quando estiver integralmente aprovado", disse o secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, Emerson Kapaz. Kapaz é um dos integrantes do Conselho da Reforma Institucional do Estado de São Paulo. Os demais são o secretário da Administração e Modernização do Serviço Público, Fernando Carmona, o secretário da Fazenda, Yoshiaki Nakano, o secretário do Emprego e Relações do Trabalho, Walter Barelli, o secretário do Governo e Gestão Estratégica, Antonio Angarita, e o secretário de Recursos Hídricos. Saneamento e Obras, Hugo Marques da Rosa. Kapaz nega que as eleições municipais interfiram no calendário da reforma institucional. Ele acha que a reforma pode ser até facilitada pelas vacâncias no secretariado provocadas pela saída dos membros do PFL e de candidatos a prefeito. A reforma administrativa do governo paulista é sustentada, nos documentos da administração, por uma vasta argumentação política e gerencial. É lembrado por exemplo, que já na proposta do candidato Mário Covas, em 1994, constava que a primeira preocupação seria com o próprio governo, e que a máquina administrativa passaria por inédito processo de modernização. O primeiro objetivo da reforma, que o governo prefere chamar de institucional, é o redimensionamento do setor público, de forma a permitir que ele volte a estabelecer políticas publicas, a induzir o desenvolvimento e a regular e desregular. O segundo principal objetivo é delegar, desconcentrar e descentralizar competências, encargos, e responsabilidades. A reforma visa também viabilizar parcerias com a iniciativa privada, a obtenção de maior qualidade nos serviços públicos, a universalização do acesso às informações e decisões publicas e a dignificação da função pública, com a revalorização dos funcionários. Entre as diretrizes do programa, estão a de que o governo reassuma o comando na formulação e execução de políticas públicas e na seleção dos investimentos; o fortalecimento do Estado para as funções de regulação, desregulação e fiscalização; e a realização de parcerias, privatizações e concessões com a iniciativa privada. FUSÕES TRANSFORMARÃO AS 22 SECRETARIAS EM APENAS TREZE As treze secretarias previstas para o futuro formato do governo paulista são o resultado de uma complexa reestruturação das 22 secretarias atuais. Serão mantidas seis das secretarias atuais: de Segurança Pública, da Fazenda, da Saúde, da Educação, da Criança, Seguridade e Reintegração Social, e do Emprego e Relações do Trabalho. Há, porém, algumas pequenas mudanças nestas que serão mantidas. A Secretaria da Educação vai absorver os Esportes da Secretaria de Esporte e Turismo. A Secretaria do Emprego se torna secretaria extraordinária. E o nome da Secretaria da Criança é novo - atualmente, chama-se Secretaria da Criança, Família e Bem-estar Social. O quadro das fusões de secretarias é mais complexo. As secretarias da Administração Penitenciária, da Justiça e Defesa da Cidadania e a parte que cuida do menor infrator da Secretaria da Criança formarão a futura Secretaria de Justiça, Cidadania e Assuntos Penitenciários. A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, a parte de Turismo da Secretaria de Esportes e Turismo e a Secretaria de Agricultura e Abastecimento formarão a Secretaria de Agricultura e Abastecimento formarão a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Regional. A Secretaria de Meio Ambiente e a parte de Recursos Hídricos da Secretaria de Recursos Hídricos, Saneamento e Obras formarão a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos. A parte de Saneamento e Obras se funde à Secretaria da Habitação e à Secretaria de Transportes Metropolitanos para formar a Secretaria de Desenvolvimento Urbano. A Secretaria de Energia e a Secretaria de Transportes se fundem na Secretaria de Infra-estrutura. Finalmente, há a fusão que levará à Secretaria Extraordinária de Cultura, Ciência e Tecnologia. Juntam-se os institutos de pesquisa da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, da Secretaria de Saúde e da Secretaria do Meio Ambiente com a Secretaria de Cultura e com a parte de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico. O projeto também define as atribuições das novas secretarias. Uma meta da Secretaria de Educação, por exemplo, é a transferência do primeiro grau para os municípios. A Secretaria de Desenvolvimento Urbano prevê duplicar o Metrô, privatizar os trens metropolitanos e conceder os serviços operados pela Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU). Na Secretaria de Saúde, a idéia é municipalizar ou transferir a execução para organizações sociais, retendo-se a capacidade de formulação de políticas públicas. Na Secretaria da Criança, Seguridade e Reintegração Social, está previsto o desenvolvimento de programas inovadores, como de renda mínima. A criação do Grande Gabinete do Governador visa desconcentrar as atividades executivas, retendo-se a formulação política e estratégica do Governo. Alguns dos objetivos do Grande Gabinete são a elaboração e acompanhamento do Orçamento, à definição da política de pessoal, o planejamento estratégico do governo, a representação do Estado em juízo e até a segurança do governador. As secretarias extraordinárias vão "permear matricialmente" todas as secretarias normais. Além das duas já mencionadas, será criada a Secretaria de Ativos e Dívidas. (F.D.) MUDAM AS EMPRESAS E AUTARQUIAS A reforma institucional de São Paulo vai promover profundas mudanças nas 57 empresas, autarquias e fundações do Estado de São Paulo. De acordo com a última versão do projeto, ainda em discussão, haverá um cardápio de opções para as 22 empresas do estado, indo da extinção, caso da Dersa, à reestruturação, prevista para a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Em relação ao Metrô, a idéia é, através de concessão, abrir parcerias com o município e o setor privado, para tornar possível uma rápida expansão. Também serão objeto de concessão a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU). A privatização atingirá a Fepasa, Eletropaulo, Cesp, CPFL, Comgás, Ceagesp e a Companhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo (Codasp). A proposta, para a Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOS), e para a Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo (Emplasa), é transformá-las em autarquias. O Banespa e as empresas do grupo Banespa, caso o governo federal concorde, serão federalizados. A DERSA será incorporada ao DER, e a Companhia de Seguros do Estado de São Paulo (Codesp) incorporada à Nossa Caixa. A Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) será transformada numa "authority" reguladora e fiscalizadora. Nas autarquias, as mudanças propostas também são inúmeras. Em relação às três universidades estaduais (USP, Unicamp e UNESP), há a idéia de se vincular parte dos recursos orçamentários a serviços demandados pelo governo de São Paulo. Outra proposta é um fundo rotativo de bolsas de estudo para alguns fins específicos, como residência médica. Isto poderia ser o embrião de uma nova forma de financiamento do ensino universitário estadual. Faculdades municipais, como as de Medicina, em Marília e São José do Rio Preto, poderiam ser incorporadas às universidades estaduais. No Hospital das Clínicas, de São Paulo, e no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, a dotação do Tesouro poderia ser diminuída de forma gradativa, com aumento da participação do atendimento a convênios de saúde. O atendimento prioritário ao SUS seria mantido. O novo DER, que incorporará o DERSA, vai funcionar com uma "authority", com estrutura enxuta. O seu patrimônio, com 26 mil escrituras de imóveis, poderia ser usado para a geração de recursos. O transporte multi-modal seria incentivado. O projeto prevê a extinção de três autarquias: a Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades (Sutaco), que poderia ser recriada como "organização social"; a Guarda Noturna de Campinas, que poderia ser absorvida pelo Município; e Bolsa de Café de Santos. Em relação às fundações, as mudanças não são menos profundas. Existem quatro alternativas para cada uma: manutenção da autonomia financeira, reestruturação, transferência de funções e atribuições e devolução para a sociedade. No primeiro grupo, estão a Fundação Oncocentro de São Paulo, a Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo, a Fundação para o Remédio Popular (FURP) e a Fundação Pró-Sangue-Hemocentro de São Paulo. Está em estudo uma possível fusão das duas últimas. A reestruturação atingiria a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp); a Fundação do Desenvolvimento Administrativo (Fundap), com a possível extinção do IESP; a Fundação Padre Anchieta (TV Cultura); o Centro de Estudos e Pesquisa de Administração Municipal (Cepam), que a médio prazo poderia passar para o município; a Fundação Professor Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap), que deixaria de fazer assistência jurídica aos presos; e a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), que regularizaria seu quadro de pessoal. As fundações deste grupo não teriam mais verba própria garantida no Orçamento a partir de 1997, recebendo pela prestação de serviço. O orçamento para estes serviços permaneceria nas Secretarias. As fundações perderiam o monopólio na prestação de serviços para o governo. A exceção a estas regras ficaria por conta da Fapesp. No grupo de transferência de funções, a Fundação Estadual do Bem Estar do Menor (Febem) seria extinta no médio prazo, e a curto prazo a secretaria da Justiça passaria à cuidar do Menor Infrator. No grupo de devolução para a sociedade, o Parque Zoológico de São Paulo poderia ser transferido para o Município, e o Memorial da América Latina se transformaria em uma "organização social".




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