Lula e Cabral doando laptops na inauguração do conjunto habitacional em Manguinhos. Não chegava a 100 o número de moradores presentes. Foto: Eduardo Sá/Fazendo Media.
No dia 21 de dezembro do ano passado foram inauguradas algumas obras do PAC em Manguinhos, com a presença do presidente Lula, de ministros, do governador e do prefeito do Rio de Janeiro. Das quinze favelas que compõem o complexo, onze serão beneficiadas pelas intervenções. A maior parte está concentrada na Av. Dom Hélder Câmara, no Depósito de Suprimentos do Exército, que estava desativado, e onde foi construído um conjunto habitacional com cinco blocos, com dois prédios de quatro andares cada e apartamentos de dois quartos: 416 moradias no total.
Para os moradores, a prioridade é que os primeiros andares sejam destinados aos idosos e pessoas com deficiência, em função da ausência de elevadores. Lá estão sendo realocadas pessoas das comunidades Embratel e Mandela de Pedra, que tiveram suas casas derrubadas por estarem em área de risco ou no caminho da construção de novas vias de acesso.
A reportagem ouviu 100 moradores no Complexo do Manguinhos, procurando equilibrar as entrevistas entre jovens, adultos e idosos, assim como variando o sexo. Também tivemos o cuidado de ouvir as pessoas em diferentes pontos da comunidade, de modo a garantir maior diversidade de opiniões. O resultado foi o seguinte: o PAC teve a aprovação de 77 moradores na comunidade. Em geral, há muita esperança e ceticismo em relação ao projeto do governo.
Segundo a Empresa de Obras Públicas do Rio de Janeiro, “no Complexo de Manguinhos os investimentos chegam a R$ 290 milhões. Além das moradias e os equipamentos que foram inaugurados, na comunidade da Embratel e na CCPL serão erguidos novos conjuntos habitacionais, totalizando 1774 apartamentos construídos pelo PAC Manguinhos. A elevação da via férrea permitirá a criação de um grande parque urbano no local, com quadras esportivas, pistas de skate, áreas de convivência e quiosques”, declararam.
As pessoas presentes no dia da inauguração do conjunto habitacional, com algumas das moradias ao fundo. Foto: Eduardo Sá/Fazendo Media.
No dia da entrega, ao entrarem nos apartamentos inaugurados, alguns moradores criticaram o tamanho das unidades. Ao contrário do que foi divulgado, 42m², alguns afirmaram que os apartamentos têm algo em torno de 30m². Uma senhora se queixou: “Onde vamos estender as roupas?”. Teve morador que disse que com esse tamanho as pessoas não terão espaço para intimidade, e assim a população pobre não aumenta. O processo de ocupação durou cerca de um mês, sem nenhum suporte na mudança, gradativamente por blocos, cujos apartamentos foram medidos e constatados em 37m². Mas para as pessoas que moravam em casas de palafita na beira dos rios, como acontece na Mandela de Pedra, trata-se de uma melhoria de vida considerável. Esse foi um elogio recorrente.
A casa-modelo de 72m² que foi apresentada no início do projeto, que ficava na entrada do conjunto, foi demolida. Os moradores já estabeleceram o seu modo de organização, um síndico por bloco e um síndico geral. Ao todo são três reuniões por mês, uma no bloco, uma geral e outra com o consórcio responsável por grande parte das obras na região e em especial nessas moradias: Consórcio Manguinhos, composto por Andrade Gutierrez (60%), EIT (20%) e Camter (20%). A Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro (EMOP) gerencia o processo.
Crianças brincando no vão central do conjunto habitacional, meses depois da inauguração. Foto: Eduardo Sá/Fazendo Media.
Conversando com alguns síndicos, certas normas foram apontadas para preservar a ordem no local. Foi proibida a utilização da moradia como comércio, sobretudo qualquer tipo de aluguel, mas quem quiser usar sua casa para alguns biscates não tem problema: o comércio é distante, alguns moradores já vendem refrigerantes, biscoitos, sacolé, etc. em apartamentos no térreo. A partir do segundo andar para cima, moradores podem colocar suas roupas nas sacadas, no térreo foi permitida a utilização do vão atrás do prédio desde que evitando a exposição de roupas íntimas. O único problema que apareceu, dois meses depois da inauguração, foi briga entre famílias. Há uma proposta de gradear os prédios, e colocar uma guarita na entrada do conjunto, como prevenção a possíveis roubos – estes, não ocorreram. A lei do silêncio, às 22h, está sendo respeitada.
No dia da inauguração foram sorteados 5 laptops, entregues pelo presidente. Instalaram internet sem fio no local, mas, segundo relatos dos moradores, só funciona de maneira instável a partir das 18h quando os postes de energia são ativados. Praticamente ninguém tem internet, alguns usam o celular. Muitos moradores estão esperando computadores que, segundo eles, foram prometidos. No resto das instalações, não ocorreu nenhum problema com a luz e encanamento, disseram.
Além das moradias, também já foram entregues uma unidade de saúde, uma escola estadual, um parque aquático, quadras poliesportivas, uma biblioteca pública multifuncional, um Centro de Geração de Renda, o Centro de Apoio Jurídico e o Centro de Referência da Juventude. Mas nem tudo está funcionando até hoje, como é o caso da biblioteca por exemplo.
As três creches em construção, uma delas pronta, mas não inaugurada, também se encontram espalhadas nos arredores do Complexo de Manguinhos. Segundo o professor de geografia dessa escola estadual, Gilson Alves, morador e integrante da Comissão de Moradores da comunidade Vila Turismo, o novo espaço já beneficia muitos jovens com seus três turnos para os ensinos fundamental e médio. Mas Gilson tem várias críticas ao PAC, principalmente no que diz respeito à ineficiência na aplicação das verbas e na realização das obras em relação ao que foi proposto no início do projeto.
Retroescavadeira para as obras de pavimentação na região central de Manguinhos, onde ainda há casas de palafita e muito entulho jogado nas ruas. Foto: Eduardo Sá/Fazendo Media.
Comerciantes de Manguinhos criticaram as obras do PAC, principalmente devido aos critérios de avaliação do governo – que não levam em conta o tempo do ponto no local. É o caso de Luiz Fernando, no Parque João Goulart, que está negociando para não perder sua venda por um valor que não compensa. O projeto inicial do PAC anuncia áreas para o comércio popular, mas até agora muitos comerciantes não têm nenhuma informação a respeito.
Segundo Ícaro Moreno, presidente da Emop, “agimos de forma extremamente democrática, num trabalho de convencimento feito por equipes especializadas de Diagnóstico Social, para obter a compreensão da população atingida. Esse trabalho foi desenvolvido em duas vertentes principais: primeiro, que era preciso a relocação, para benefício de toda a comunidade, com a construção de equipamentos sociais. Segundo que, para isso, o Estado oferecia três opções para nova moradia – a transferência para novas unidades, indenização ou compra assistida”, afirmou.
Quanto à saúde, muitos moradores se queixam da falta de médicos na unidade de saúde recém inaugurada, que é uma das maiores no estado. A instalação, segundo informações da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil, está equipada com consultórios de pediatria, clínica médica e odontológica, farmácia, laboratório para a realização de exames e salas de raios-X, sutura, medicação e nebulização, além de 24 leitos. A reportagem testemunhou um pai saindo com o filho no colo sem atendimento, às 20h, por falta de pediatras.
Construção da linha férrea, nas proximidades da estação de trem do Manguinhos. Foto: Eduardo Sá/Fazendo Media.
A obra principal será a elevação da via férrea que corta a comunidade ao meio: a mão dupla da Av. Leopoldo Bulhões será divida em duas pistas, para a construção de um Parque Metropolitano com áreas de lazer por debaixo dos trilhos entre a Av. Leopoldo Bulhões e a Rua Uranos. Segundo trabalhadores da obra, a via ligará Benfica, por trás do conjunto habitacional, até a linha amarela em Bomsucesso.
Outros serviços, como asfaltamento das ruas e saneamento, também estão em andamento. A principal crítica dos moradores foi a instalação dos esgotos, que reaproveitou o sistema de água construído pelos moradores na formação da comunidade: vai tudo para o mesmo lugar, exceto os rios que também estão em obras. Quando chove, disseram, continua entupindo tudo. Moradores que trabalham em obras apontaram inadequações no projeto, como a utilização de canos pequenos, o que deverá apenas postergar os problemas.
A falta de informação e diálogo foi constante nos relatos, pois muitos não sabem o que vai acontecer, apesar do Comitê de Acompanhamento das Obras criado pelo governo com algumas lideranças locais se reunir com freqüência; para alguns, é um instrumento de cooptação, chapa branca. Algumas comunidades estão articuladas, criaram Comissões de Moradores, além das associações, todas as terças se reúnem na Fundação Oswaldo Cruz, vizinha de Manguinhos, para debater o PAC.
Para muitos, pior não poderia ficar, já que Manguinhos nunca foi alvo de políticas públicas. O principal elogio foi a geração de empregos – o PAC empregou cerca de duas mil pessoas nas obras, com remuneração entre um e três salários mínimos, incluindo muitas mulheres. A diminuição de operações policiais na região, por conta das obras, foi outra avaliação positiva recorrente. As pessoas que moram na beira dos rios Timbó e no Canal do Cunha, por exemplo, vão ter uma moradia decente em comparação com às que moravam.
(*) Com informações da reportagem de Marcelo Salles, na edição de fevereiro da revista Caros Amigos.